Jovem disse a equipa de Médicos do Mundo que estaria grávida já depois do parto
Sara talvez seja o seu nome. Mas continuará a ser a jovem, de origem cabo-verdiana, que terá dado à luz, sozinha, junto a uns contentores perto da discoteca Lux-Frágil, na Av. Infante D. Henrique, um bebé do sexo masculino, que colocou num dos contentores de lixo, ainda com pedaços de cordão umbilical.
A jovem de 22 anos e de origem cabo-verdiana, como a identificou a Polícia Judiciária, poderá ser a mulher que, a 18 de setembro, foi identificada pelas equipas de saúde da associação Médicos do Mundo, que semanalmente vão àquela zona, pelo menos, duas a três vezes, prestar cuidados de saúde.
Joana Tavares, diretora de Projetos de Lisboa e Sul na Médicos do Mundo, afirma ao DN que, até ao momento, ainda não receberam da parte das autoridades policiais e judiciais a identificação da jovem detida na madrugada de sexta-feira como sendo a mãe do bebé encontrado no contentor, mas acrescenta que esta corresponde às características de uma jovem identificada pelas equipas, em setembro, assim que chegou àquela zona da freguesia de São Vicente, que é das que têm maior número de pessoas a viver nas ruas.
"Era jovem, recente na zona, e saltou à vista das equipas de saúde, que estabeleceram logo contacto com ela. Na altura, a jovem foi registada como pessoa sem queixas aparentes de saúde. Ficámos de fazer mais exames, mas é claro que só podemos observar estas pessoas até ao ponto que nos deixam, não pode haver uma imposição, mas todas as vezes que regressámos ao local não estava presente", explica ao DN Joana Tavares.
O segundo contacto só volta a ser feito a 7 de outubro. A jovem estava na zona e as equipas que lá estavam detetaram-lhe maior volume abdominal em comparação com a primeira vez que a tinham visto, mas a explicação que deu aos técnicos era plausível: "Estava menstruada e com obstipação, o que é absolutamente normal, sendo mulher e a viver em situação sem-abrigo, no caso da obstipação, pela alimentação que fazem", argumentou ao DN.
Nesta altura, as equipas não suspeitaram de nada. Sabiam que a jovem estava a viver ali, numa das tendas, junto a outras pessoas, mas não sabiam sequer que teria um companheiro. Mas nunca mais esteve contactável sempre que as equipas voltaram ao local.
A situação mudou quando, na passada quarta-feira, horas depois de o bebé ter sido encontrado no contentor, a jovem volta a falar com as equipas quando aparecem na zona. "Foi a própria que nos disse que estava há meses sem menstruação e que achava que estaria grávida. Foi-lhe feito um teste de gravidez que deu positivo", o que, explicou mais uma vez Joana Tavares, o teste de gravidez dar positivo após o nascimento "é normal, porque as mulheres vão libertando hormonas na urina nos dias seguintes".
As equipas que estavam no terreno falaram com ela e explicaram-lhe que a poderiam encaminhar para os serviços de saúde da Maternidade Alfredo da Costa para fazer mais exames e ser acompanhada nesta situação. Disponibilizaram-se para o fazer no dia seguinte, quinta-feira, "ao que a jovem respondeu aos técnicos que não poderia porque tinha assuntos familiares para tratar fora de Lisboa, mas que estava disponível para ir na sexta-feira".
Assim ficou combinado, "a Maternidade Alfredo da Costa, que está habituada a tratar destas situações, foi logo contactada por nós e aceitou a situação, ficando a aguardar que a levássemos, mas quando a equipa da Médicos do Mundo chegou à zona onde ela tem estado a viver, já não entrou e soubemos que tinha sido detida pela Polícia Judiciária uma jovem que correspondia às características da pessoa com quem tínhamos falado".
Uma técnica de ação social da Médicos do Mundo iria acompanhar a jovem nos cuidados de saúde que necessitasse. É assim que fazem desde que começaram a trabalhar nas ruas, em 2001. "Sinalizamos e encaminhamos as pessoas que necessitam de cuidados de saúde, em centros de saúde ou em hospitais, e acompanhamo-las sempre que isso nos é solicitado. Temos essa facilidade de transporte, de levar e trazer ao mesmo local, e, por vezes, há alguns que se sentem mais confortáveis quando são acompanhados por nós. A maioria não sabe os seus direitos e, muitas vezes, encontram barreiras no acesso, mas também há quem não o queira e depois de ser encaminhado dá todos os passos sozinho", esclarece Joana Tavares.
Depois desta situação, a jovem sinalizada, de facto, não voltou ao local. As equipas acreditam que possa ser aquela com quem falaram. "Uma jovem que foi sempre muito reservada, em situação de grande vulnerabilidade e com quem os técnicos não tiveram tempo de estabelecer uma relação de confiança" para a poderem acompanhar melhor. "Não é muito habitual uma mulher em situação de sem-abrigo, são uma minoria, cerca de 10%, muito menos jovens, e quando são detetadas situações de gravidez temos forma de as encaminhar e até de as tirar da rua para serem acompanhadas em instituições", afirma ainda.
Sara, a jovem que terá dado à luz e posto o filho no contentor, está em prisão preventiva, no Estabelecimento Prisional de Tires, desde sexta-feira, depois de ter sido ouvida por um juiz no Campus de Justiça. Ao que explicaram ao DN, a medida de coação mais pesada terá sido por a jovem não reunir condições para que lhe fosse aplicado termo de identidade e residência.
Nesta tarde, ao final do dia, três advogados, Varela de Matos, Dino Barbosa e Filipe Duarte, entregaram no Supremo Tribunal de Justiça um pedido de habeas corpus a solicitar a sua libertação.
O bebé vai continuar na Unidade de Cuidados Neonatais a tomar antibiótico, não se sabendo quando terá alta e será encaminhado para a Santa Casa de Lisboa, para ser acolhido numa instituição, até que um juiz defina o seu projeto de vida.