Família agredida por PSP pede manifestação pacífica no Seixal

Numa tentativa de criar um ambiente menos tenso no protesto marcado para a tarde desta sexta-feira no Seixal com o nome "A voz da mãe preta", as três pessoas agredidas pela PSP divulgam um apelo à calma. Polícia não vai tomar medidas especiais de segurança.
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A família que surge num vídeo a ser agredida por elementos da PSP no passado domingo no Bairro da Jamaica é agora protagonista de uma gravação com três minutos onde pede que a manifestação agendada para a tarde desta sexta-feira (a partir das 15.30) junto da Câmara Municipal do Seixal decorra de forma pacífica. Também a PSP não antevê problemas e por isso não vai tomar medidas especiais de segurança, disse fonte oficial ao DN.

"Boa-noite, sou Fernando Coxi, peço à população atenção às manifestações que estão fazendo. Eu espero que o façam pacificamente pois na minha religião os mandamentos não permitem que se façam agressões."É esta a primeira frase do vídeo onde participam os pais de Hortênsio e o jovem que foi detido na sequência da intervenção policial. Operação que desencadeou uma onda de protestos em vários locais da Grande Lisboa com acusações de racismo e uso excessivo da força por parte dos agentes. A contestação envolveu uma manifestação em Lisboa que acabou em conflitos com a polícia (segunda-feira 21), apedrejamentos, caixotes do lixo queimados, um autocarro incendiado e três cocktail Molotov atirados contra a esquadra da PSP da Bela Vista (Setúbal).

Com a divulgação do vídeo na rede social Facebook, a família tenta apaziguar os ânimos que têm estado bastante exaltados em algumas zonas da área metropolitana com caixotes do lixo a serem incendiados nas últimas duas madrugadas e que na desta quinta-feira levou à identificação pela PSP de três menores na sequência de incêndios surgidos em caixotes do lixo e ecopontos em Setúbal. Um jovem de 16 anos foi detido, enquanto dois rapazes de 13 e 14 anos foram apenas identificados e entregues aos pais, durante a noite, adiantou esta manhã a PSP, todos são suspeitos de envolvimento nesses incêndios. Já na segunda-feira tinham sido detidos quatro indivíduos, sendo que três deles têm cadastro ou ficha na polícia.

"Se houver agressões, esta situação recai na minha cabeça. Para que isso não aconteça peço por favor que façam as manifestações pacificamente. Têm o direito de fazer [manifestações], a lei permite isso, mas não havendo vandalismo. Por isso espero que tudo aquilo que se passou fique assim", acrescenta Fernando Coxi, referindo-se ao protesto que está agendado para a tarde desta sexta-feira e cuja divulgação foi feita essencialmente no Facebook.

Um protesto que a família e a Associação de Desenvolvimento Social de Vale de Chícharos garantem, num comunicado divulgado ao final da tarde desta quinta-feira, não ter organizado e no qual asseguram não vão participar. Tal como sublinham não ter tido nada que ver com o encontro da passada segunda-feira no Terreiro do Paço.

A manifestação desta sexta-feira tem o título de "A voz da mãe preta - manifestação frente à Câmara Municipal do Seixal" e pretende, segundo um dos organizadores, mostrar de forma pacífica "a indignação das pessoas. As pessoas pensam 'não foi a minha mãe nem o meu pai, mas podia ter sido. Acredito que há muita gente indignada", diz ao DN Mauro Hamilton Pontes Gaspar.

"Estamos contra a violência e por isso pedimos à família Coxi para fazer o vídeo. Este é um trabalho pela positiva", acrescenta este elemento da Associação de Angolanos em Portugal, que manteve reuniões com a câmara do Seixal, onde foi garantido que tudo iria ser feito para que este protesto decorra sem incidentes.

Para que isso aconteça, Hamilton Gaspar, que também tem ligações à Embaixada de Angola, garante que foram tomadas algumas precauções. "A nossa preocupação são as pessoas oportunistas e essas nós não conseguimos prever. Por isso falámos com os líderes/pessoas influentes dos bairros. Pessoas que são ouvidas pelos outros para que nos ajudem a controlar essas pessoas oportunistas", explica este licenciado em Recursos Humanos.

Frisa ainda que esta manifestação não surge apenas "pelo caso do Bairro da Jamaica" - que está a ser investigado pela PSP e o Ministério Público, tendo o SOS Racismo garantido que vai avançar com uma queixa contra a polícia -, mostrando um descontentamento generalizado. Aliás, o que levou ao protesto da passada segunda-feira no Terreiro do Paço e depois a que um grupo se envolvesse em incidentes com a PSP. Elementos esses que não eram do Jamaica."Nessa manifestação não estava ninguém do bairro, quase garanto. As que vi na televisão não eram do bairro. Acredito que as pessoas que lá estavam tenham problemas nos sítios onde vivem, mas não eram do bairro", sublinha.

Hamilton Gaspar apresenta, inclusive, uma explicação para os protestos: "Do meu ponto de vista, estes movimentos existem para que haja igualdade de emprego, de bons cargos, de tratamento, de oportunidades." Mauro reconhece, porém, que "racismo existe, quer de um lado quer do outro. Existem brancos que não gostam dos pretos e pretos que não gostam de brancos. Mas no meio disto tudo tem de haver respeito. Há pessoas, tanto brancas como negras, que pegam no racismo e usam como lhes dá jeito".

"Não caiam nos insultos da autoridade"

É nesta tentativa de que o protesto decorra sem sobressaltos que surge o vídeo dos pais de Hortênsio, que aguarda o desenvolvimento do inquérito relacionado com a acusação de resistência e coação sobre funcionário que pode ser punido com até cinco anos de prisão. No documento, Hortênsio diz que ainda não conseguiu ver as imagens e lembra: "É pá é uma tristeza aquilo que aconteceu, mas ninguém gosta de ver os seus pais naquela situação."

Agradece o apoio que tem recebido - "graças a Deus vocês sempre estiveram connosco e vão connosco até ao final para que a justiça seja feita. E estamos a rezar e a lutar por isso" - e deixa um desejo: "Queria pedir-vos um grande favor, a todos os meus amigos que ganhei durante esta agressão. Vocês podem fazer a manifestação, todo o mundo tem direito a fazer a manifestação, mas que seja pacificamente, meus irmãos, porque eles querem pegar nisso. Não caiam nos insultos da autoridade. Esse é o máximo favor que vos peço e agradeço por tudo o que vocês estão a fazer, do fundo do coração. A família Coxi está com vocês. Ámen."

"O clima está um bocado pesado"

Menos certezas sobre a forma como poderá decorrer a manifestação tem um dos elementos de uma das várias entidades envolvidas na organização deste protesto. "Ao contrário da manifestação de segunda-feira esta foi pensada de uma forma mais organizada, vamos ter palavras de ordem, cartazes", explica ao DN pedindo para não ser identificado pois "o clima está um bocado pesado".

O encontro desta tarde vai servir para mostrar o descontentamento para a "repressão que está a haver em relação aos manifestantes. Há muita gente a querer calar-nos". Quanto ao que aconteceu no domingo no Bairro da Jamaica garante que "é comum acontecer nas periferias. Para uns a polícia é sinónimo de segurança, para outros de medo. E não é só o caso do Jamaica, é a nível nacional".

Deixa críticas à atuação da PSP no início da semana - "cercaram-nos de uma forma bruta" - frisando que as autoridades deviam ter identificado quem atirou as pedras e não "batido em toda a gente. Há um jovem negro que foi atingido por uma bala [de borracha] na cara. O que aconteceu foi uma reação à ação".

Outra manifestação e a polícia atenta

Esta sexta-feira vai ser marcada por uma outra manifestação, em Lisboa, mas organizada pelo Partido Nacional Renovador que agendou, no Facebook, um encontro de apoiantes às 18.00, no Terreiro do Paço, de apoio à PSP e depois uma marcha a partir das 19.45 até à Rua da Palma, sede do Bloco de Esquerda, partido que foi acusado nesta quinta-feira pelo presidente do PS, Carlos César, de "acirrar ânimos" e de "perturbar a intervenção das forças da ordem, que têm por dever assegurar a tranquilidade pública".

A escolha do PNR está relacionada com o facto de considerarem a associação SOS Racismo um "braço armado" do BE, que segundo garantiu ao DN terá a sua sede "a trabalhar normalmente".

Atenta a estes dois protestos vai estar a PSP. Segundo fonte oficial disse ao DN "vão ser tomadas as medidas normais de segurança para este tipo de situações. Não haverá medidas especiais".

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