Uma rapariga pode usar boné? Professora diz que não em teste e aluno confronta-a

A correção de um teste de inglês que incluía uma pergunta sobre utilização de acessórios por homens e mulheres, ou ambos, levou o mais jovem delegado do Bloco de Esquerda a uma convenção a confrontar a professora. Depois colocou no Facebook a sua resposta e a ameaça de lhe ser marcada falta disciplinar
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Eduardo Couto tinha sido notícia em novembro do ano passado quando aos 15 anos e 11 meses, como fez questão de dizer, se tornou no mais jovem delegado a discursar numa convenção do Bloco de Esquerda. Agora, volta a estar na ribalta por ter contestado a correção de um teste de inglês em que a professora considerou que gravata, boné e collants não são acessórios que podem ser utilizados tanto por homens como por mulheres.

A decisão de assinalar como errada a resposta levou a um debate na sala de aula esta quarta-feira (6 de fevereiro) que terminou, segundo publicou Eduardo rede social Facebook, com a docente da unidade de Língua Estrangeira Inglesa a ameaçá-lo com uma falta disciplinar por contrariar a correção. No post acrescentou: "A roupa não tem género e vou bater-me por uma sociedade igualitária."

A questão surgiu quando os alunos do 11.º ano do curso profissional de técnico comercial da Escola Secundária de Santa Maria da Feira receberam os testes de inglês, avaliação em que num dos grupos de perguntas era pedido para assinalarem que acessórios correspondiam a um género ou a ambos. Na folha estavam sete itens : mala de mão, gravata, boné, collants, colar, cachecol e cinto. Eduardo assinalou todos com a palavra "both" (ambos). Quando recebeu o teste viu que a professora tinha marcado como erradas as respostas relacionadas com gravata, boné e collants e, apesar de aceitar as opções mala de mão e colar, acrescentou um ponto de interrogação.

Como o próprio aluno contou gerou-se um debate sobre as decisões da professora que levou a mesma a dizer que iria marcar falta disciplinar a Eduardo por este contestar a contestar a correção. Na rede social, divulgou a foto da página de teste e o comentário: "A minha professora parou no ano 1743. Da saga meninos vestem azul e meninas rosa: (fui ameaçado de falta disciplinar por contestar a correção)."

Este publicação originou um debate online com considerações sobre o assunto pouco abonatórias para o aluno, mas também com apoios, como o do Bloco de Esquerda Moisés Ferreira.

"A professora não justificou a decisão, apenas disse que já estava corrigido e era aquela a correção. Mas, penso que a questão não é o caso em sim, mas o que ele representa. Acho que esta discussão é importante, pois em 2019 ainda há quem pense que homens não podem usar determinadas roupas e mulheres não se podem vestir da forma que querem. A questão crucial não é o caso em si, mas a luta que ele representa", disse Eduardo Couto ao DN, frisando que a escola onde anda - a Secundária de Santa Maria da Feira - "não é preconceituosa". "Felizmente a maioria dos professores não são preconceituosos. Sinto que as mulheres são bem tratadas nesta escola".

Apesar de ter colocado o post no Facebook divulgando publicamente o que aconteceu na sala de aula, Eduardo não comunicou a situação à direção da escola, como salientou ao DN a diretora Lurdes Ferreira. "Só soube do caso ontem [quinta-feira], o aluno não comentou nada connosco e ainda não tive oportunidade de falar com a professora. Mas, conheço bem as duas pessoas para saber que pode ter sido um mau momento de ambos", adianta. Eduardo confirma que não contactou a direção da escola, mas garante: "Assim que pude falei com a diretora de turma".

A responsável do agrupamento considera que esta discussão "é normal em sala de aula. É natural que existam momentos de tensão", principalmente numa escola em que dos 2000 alunos, 1400 são do ensino secundário e em que a maioria dos 200 professores deste nível têm mais de 50 anos, eventualmente "com formas de pensar diferentes". Lurdes Ferreira disse ao DN ainda não ter falado com a professora em causa, mas que o irá fazer para saber o que se tinha passado. "Mas não tenho nada que me indique que fez mal", ressalva.

Para o jovem que na XI convenção do Bloco de Esquerda questionou o facto de no partido existir quem defenda que não deveriam ser aceites delegados com menos de 16 anos - na altura tinha 15 anos e 11 meses - o tema da igualdade de género é crucial na sociedade. "Penso que os papéis de género não são mais do que construções impostas na sociedade e sinto que é triste quando no sistema de ensino, que devia ser livre e fazer-nos pensar fora dos moldes da sociedade, nos gostam de colocar em caixas, e mais uma vez associar o feminino e o masculino como algo que tem de estar intrinsecamente ligado ao sexo biológico. Não, acho que esteja correto. Podemos todos vestirmo-nos e expressarmo-nos como quisermos e a sociedade precisa de parar de impor regras que não fazem sentido nenhum", defende.

Quanto à sua ligação ao Bloco de Esquerda, Eduardo sublinha que é o partido com quem mais se identifica, por ser a força política que "luta pelas minorias, pelas mulheres, pelos trabalhadores e pelo investimento público: tudo áreas em que acredito e defendo". Recusa querer fazer carreira da política - "estou na política para melhorar a sociedade portuguesa, não para ter uma carreira" - e tem como objetivo académico uma licenciatura na área da Sociologia.

O DN questionou o Ministério da Educação sobre esta situação, mas até ao momento não obteve resposta.

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