Racismo e tortura da PSP: oficiais garantem que estava tudo "calmo" e "sereno"
"Calmo", "sereno", "normal", "controlado", foram as palavras escolhidas pelos dois oficiais da PSP para caracterizar a situação que encontraram na esquadra de Alfragide na tarde do dia cinco de fevereiro de 2015. Segundo o Ministério Público (MP) na altura em que estes oficiais de deslocaram aquelas instalações policiais, seis jovens da Cova da Moura tinham sido brutamente agredidos pelos agentes, injuriados e ameaçados com expressões de cariz racista.
Por esse motivo, o MP acusou 18 polícias da esquadra pelos crimes de tortura e outros tratamentos degradantes e cruéis, sequestro, agressões qualificadas e injúrias - todos motivados pelo ódio racial dos agentes.
Uma descrição que, a avaliar pelo testemunho do intendente Luís Moreira, que era e ainda é o número 3 na hierarquia do Comando Metropolitano de Lisboa (COMETLIS) da PSP, está muito longe da realidade que diz ter visto. Naquele dia, este oficial superior estava no COMETLIS, em Moscavide, quando "ao final da tarde" (que precisou ser por volta das 17 horas) foi informado que um grupo tinha tentado invadir a esquadra e que havia detidos.
Moreira encaminhou-se para Alfragide com o objetivo de saber o que se passava. "Entrei e vi quatro pessoas (os detidos - quinto tinha ido ao hospital e o sexto estava noutra sala)) sentadas num banco e uma pessoa de pé (o advogado). O chefe Luís Anunciação contou-me o que se tinha passado e vi que os detidos estavam serenos e tranquilos. Nenhum me pediu nada. Se o tivesse feito teria falado com eles", garantiu ao tribunal.
Questionado por Isabel Gomes da Silva, advogada dos arguidos, se se tinha aproximado dos detidos, se tinha visto ferimentos ou outras coisas que lhe chamassem a atenção, o intendente negou. "Absolutamente nada. Se tivesse reparado, teria ido saber o que se tinha passado, Não havia nenhum indício de espancamento, de luta, nenhum sinal visível", salientou, reforçando depois, em resposta à pergunta do advogado dos jovens sobre se tinha mesmo visto bem a cara deles: "olhei-os a todos na face. Estava tudo normal". José Semedo insistiu: "Esse normal não era medo?". "De maneira nenhuma", assegurou o oficial.
O testemunho firme de Luís Moreira, que se apresentou fardado em tribunal, deixou, no entanto uma dúvida a um dos juízes do coletivo. Momentos antes, o ex-comandante da esquadra, comissário Carlos Catana, tinha contado que se tinha deslocado à esquadra cerca das duas da tarde (embora não precisasse a hora, admitiu ter sido entre as 14 e as 15). Na sua versão, encontrou "tudo normal" e "tranquilo" no interior das instalações.
"Estive nove anos naquelas funções. Na Divisão da Amadora vi mortos, feridos graves e nunca deixei de acompanhar os meus homens em todo lado. Se tivesse visto alguma coisa de anormal teria ficado lá", assinalou Catana, garantindo que não tinha "nenhuma razão para duvidar" na descrição que lhe tinha feito o chefe da esquadra Luís Anunciação (um dos arguidos) lhe tinha narrado sobre a tentativa de invasão. Contou que esteve "cerca de meia hora" na esquadra e que "como tudo estava normal" foi embora.
Pegando neste ponto de situação sobre a "normalidade" que Catana descrevia para aquela hora, o magistrado quis saber se Luís Moreira não teve logo essa informação e, se teve, porque se deslocou ainda assim à esquadra, ao final da tarde, se tudo já estava controlado. "Não teve logo um reporte que estava tudo controlado? O comissário tinha ido à esquadra e estava tudo normal, nada fazendo, por isso, prever, que não havia necessidade de ir lá passadas três horas...", questionou o juiz.
Moreira confirmou que não tinha sido informado que "a situação estava normalizada" mas esta suposta falha da comunicação causou visível estranheza ao juiz. "Admito que se me tivessem comunicado que a situação estava normalizada, não me teria deslocado à esquadra", afirmou.