Fisco português pediu informações ao Football Leaks

A investigação fiscal queria saber, logo em 2016, se havia fugas ao fisco de jogadores e clubes portugueses. Advogados de Rui Pinto estão a estudar "cautelosamente" a colaboração com todas as investigações portuguesas.
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As finanças portuguesas entraram em contacto com os advogados dos autores do Football Leaks, logo em 2016, numa tentativa de perceber se teria havido fugas ao fisco de jogadores e agentes de futebol em Portugal. Tinham acabado de ser divulgadas as primeiras informações do Football Leaks, e, em Portugal, a guerra aberta entre o Sporting e a Doyen, a agência e fundo de jogadores internacional já estava ao rubro.

Sabendo-se agora que Rui Pinto era o principal informador do processo, como confirmou o seu advogado ao DN na semana passada, isso significa que o fisco português terá todo o interesse nos documentos que foram recolhidos pelo hacker que está detido na Hungria.

Num e-mail a que o DN teve acesso, datado de finais de 2016, a Direção de Serviços de Investigação da Fraude e das Ações Especiais, mostra-se preocupada com o que se poderia ter passado com transferências de jogadores e com os clubes portugueses e diz-se «empenhada em determinar a real situação fiscal destas entidades que talvez estejam a prejudicar o estado."

A DSIFAE pede a colaboração dos advogados que estavam a apoiar o site Football Leaks para o apuramento da "verdade" e o combate à "evasão e fraude fiscal", requisitando mesmo quaisquer documentos que possam ajudar na investigação. Este é um dos argumentos que os advogados de Rui Pinto têm para pressionar a justiça húngara no sentido da não extradição - dizendo que ele está a colaborar com a justiça de vários países.

Na semana passada, em entrevista em primeira mão ao DN, William Bourdon já dava a entender de que teria havia contactos com o fisco português. "Será extremamente paradoxal enviar Rui Pinto para Portugal ao mesmo tempo que ele está em ativa cooperação com o procurador financeiro de França, e em perspetiva de trabalhar com o procurador suíço. Esta participação não se limita à investigação criminal mas sei que algumas administrações fiscais europeias - nomeadamente a alemã - esperam esta cooperação. Tudo isto poderia permitir ao fisco de vários países recolher largas somas de dinheiro, multas, penalidades, tudo no interesse do contribuinte europeu. E, acrescento, não há dúvidas que a administração fiscal portuguesa está também interessada", dizia Bourdon. É isso que prova esta carta a que o DN teve acesso, embora não se conheçam resultados de nenhuma investigação.

Além de tudo isto, há ainda alguma polémica sobre a documentação e aparelhos informáticos - discos rígidos - que a polícia apreendeu a Rui Pinto. Os advogados do hacker insistem que a PJ só poderá consultar os documentos relativos ao caso Doyen e querem impedir que haja o envio de tudo para Portugal.

"Esses documentos só podem ser usados por Portugal se são precisamente, e sem sombra de dúvida, ligados a queixas que estão na base do mandado", dizia Bourdon. Este email dos serviços de investigação do fisco português, e a colaboração com a justiça francesa ajudam a reforçar esta tese da defesa - embora o DN saiba que a justiça portuguesa considera que tem poderes para, no âmbito da cooperação internacional, recolher vários tipos de provas, mesmo na Hungria.

O problema é que correm em Portugal mais processos - o e-toupeira, e o dos e-mails divulgados no Porto Canal - que a Polícia Judiciária tem suspeitas de que poderiam ser informados por dados na posse de Rui Pinto. Sendo que os advogados do hacker sempre negaram que tivesse sido ele a origem dessa informação.

Esta semana, o advogado de Rui Pinto confirmou numa entrevista ao Der Spiegel e difundida por toda a rede dos EIC - da qual o Expresso faz parte - que Rui Pinto foi o informador principal dos Footbal Leaks - e recusou, mais uma vez, a ideia de tentativa de extorsão à Doyen. Esta tentativa de extorsão foi o que motivou a queixa do fundo internacional de jogadores que levou a PJ a deter o hacker em Budapeste - onde está agora em prisão domiciliária.

"É absolutamente verdade que Rui Pinto queria testar até onde a Doyen estaria disposta a ir. Foi mais uma brincadeira infantil do que outra coisa. Ele, no fim, rejeitou o dinheiro por iniciativa própria. Nada aconteceu, ninguém pagou nada a ninguém. Como tal, esta criminalização de Rui Pinto é um exagero", disse Bourdon, na entrevista publicada em português pelo Expresso. "O seu oponente (a Doyen) está a tentar encobrir o facto de ele ser um denunciante importante. Estão a tentar retratá-lo como um pequeno criminoso e descredibilizar tudo o que ele fez."

Já na entrevista ao Diário de Notícias, William Bourdon dizia temer que "a extradição de Rui Pinto implicasse a possibilidade de que os agentes portugueses tentassem recuperar parte do material que foi apreendido." E explicava que, colocados na balança, os benefícios da sua ação eram mais importantes para o público do que os crimes que cometera para obter os documentos.

"Se ele providencia serviços que são do interesse público, os seus interesses devem ser protegidos. E há um equilíbrio que é preciso fazer entre a importância judicial e os seus benefícios para o consumidor europeu, para o pagante de impostos. Este equilíbrio tem de ser considerado, tendo em conta a realidade das ofensas criminais. O facto de a ofensa ser menor - hacking - e eu repito que a ofensa de extorsão é firmemente negada pelo meu cliente, e será demonstrada sem dificuldades a sua inocência."

Ainda ontem, a organização Repórteres Sem Fronteiras, que luta pela defesa da liberdade de imprensa, lançou um apelo às autoridades húngaras para rejeitarem o pedido de extradição e para que deixem cair todos os processos contra Rui Pinto. A RSF lembra que Rui Pinto é um informador que contribuiu para expor vários escândalos de corrupção e más práticas do mundo do futebol nos últimos anos, através dos documentos que forneceu ao consórcio europeu de investigação colaborativa EIC, que engloba vários jornais europeus.

O DN sabe que os advogados estão a ponderar a colaboração que lhes foi proposta pela justiça portuguesa através da Polícia Judiciária."Não temos nenhum comentário especial", disse ao DN William Bourdon. "Precisamos de saber qual o âmbito da possível colaboração e permanecemos cautelosos".

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