Ataque a Alcochete. Instrução adiada com novo incidente de recusa de juiz
"Vamos ver quem é o próximo a dizer que a justiça em Portugal é lenta". Depois deste desabafo o juiz Carlos Delca abandonou a sala de audiências onde devia ter começado a fase de instrução do processo relacionado com o ataque à Academia do Sporting em Alcochete, a 15 de maio do ano passado.
Uma invasão cuja investigação terminou com a acusação por parte do Ministério Público a 44 pessoas - a maior parte pertencente à claque Juventude Leonina, o ex-presidente do Sporting Bruno de Carvalho e o antigo oficial de ligação aos adeptos Bruno Jacinto - dos crimes de sequestro (com a tipificação de terrorismo), ameaça agravada, dano com violência, detenção de arma proibida e introdução em local vedado ao público. No caso do ex-líder leonino este é acusado de ser um dos autores morais destes crimes.
Um novo incidente de recusa de juiz, o terceiro neste processo, levou o magistrado a adiar pela segunda vez o início dos dois dias de audiências aos arguidos - seis dos 44 que foram acusados pelo Ministério Público vão ser ouvidos, Bruno de Carvalho.
A contestação ao juiz de instrução criminal do Barreiro foi entregue no final da semana passada pelo advogado Nuno Areias que defende Tiago Filipe Brito Neves. A decisão surgiu depois de, segundo soube o DN, ter recebido do Tribunal da Relação a resposta a um recurso que interpôs contestando a decisão do juiz de considerar este processo de excecional complexidade, o que permitiu aumentar os prazos incluindo os de prisão preventiva.
Os magistrados da Relação consideraram que a "excecional complexidade" pode ser declarada em qualquer fase do processo durante a primeira instância [...] e portanto recusaram a revogação do despacho de 6 de dezembro de 2018 do juiz Carlos Delca. Perante esta decisão Nuno Areias decidiu interpor o incidente de recusa de juiz levando ao adiamento do início da fase de instrução.
Uma decisão sobre a qual não se pronunciou na manhã desta segunda-feira mas que não deixou satisfeitos nem os advogados dos outro acusados nem o juiz.
Carlos Delca entrou na sala para dizer que não ia iniciar a sessão mas apenas fazer um comunicado. "Com o incidente de recusa não posso continuar a diligência", começou por dizer, acrescentando: "Vamos esperar sine die [até ter condições de iniciar esta fase o que só acontecerá após a decisão do Tribuna da Relação de Lisboa a este requerimento] e espero não ter de adiar mais 40 vezes."
Depois de responder a uma questão de um advogado, o magistrado saiu da sala onde este no máximo dez minutos.
Os advogados também não estavam muito faladores à saída do tribunal no Campus da Justiça - por questões de logística as sessões foram marcadas para Lisboa em detrimento do Tribunal do Barreiro - mas quem falou mostrou-se desagradado com a nova contestação ao juiz.
"Qualquer advogado pode fazer [entregar um pedido de recusa], mas a maioria dos advogados ficou desagradado", adiantou Aníbal Pinto que defende três arguidos.
Com 37 arguidos em prisão preventiva o adiamento do início da fase de instrução pode levar a que estes continuem detidos pois nesta fase o juiz, depois de ouvir os arguidos e os advogados pode alterar as medidas de coação, decidir se alguns não vão sequer a julgamento ou alterar os crimes pelos quais estão acusados.
No entanto, se continuarem a ser apresentados incidentes deste tipo pode acontecer que não exista uma decisão até 21 de setembro que é o dia em que termina o prazo da especial complexidade do processo no que diz respeito aos primeiros 23 arguidos detidos.
"Em abstrato, se houver mais colegas a apresentar incidentes de recusa podem ultrapassar-se o prazo da prisão preventiva", reconheceu Aníbal Pinto que, todavia frisou: "A maior dos arguidos não se revê nestes incidentes e está desagradado."
Uma outra questão que se coloca está relacionada com a passagem para prisão domiciliária com pulseira eletrónica, na semana passada, do arguido Celso Cordeiro. Uma decisão do Tribunal da Relação que vai ser aproveitada pelos advogados para tentar que os seus clientes também deixem os estabelecimentos prisionais onde estão. "Neste momento a Relação já decidiu que os pressupostos [da detenção] são acautelados com a prisão domiciliária. Estou certo que todos [os advogados] vão recorrer", concluiu.