As razões pelas quais está incontrolável o incêndio em Monchique

Porque é que o incêndio já dura cinco dias? Houve problemas no combate, ou o problema é anterior, de ordenamento do território e do tipo de árvores plantadas? Especialistas são unânimes a apontar o dedo aos eucaliptos
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A serra de Monchique está a arder há cinco dias e o incêndio continua por extinguir. Há centenas de pessoas retiradas das suas casas e 29 feridos, um deles com gravidade. Há 1200 homens no terreno, 300 carros de combate e 17 meios aéreos envolvidos nas operações. Um ano após as tragédias de 2017, quais as razões para mais um incêndio de tão grandes proporções? As operações no terreno estão a ser bem coordenadas? Os especialistas falam ainda de falhas na prevenção e dizem que é preciso maior investimento do Estado. O professor Xavier Viegas denuncia mesmo a falta de faixas de descontinuidade.

O que está a arder?

O incêndio de Monchique está a arder desde sexta-feira. Já ameaçou o perímetro da aldeia e obrigou à retirada de centenas de pessoas das localidades junto à serra. Só na noite de segunda-feira foram mais de 250. Já destruiu 16 500 hectares, mas pode vir a afetar 20 mil, já que ainda há seis focos "complexos" que não estão dominados.

O que está a ser feito?

Há um dispositivo de mais de 1200 homens no terreno, mais de 300 carros de combate a incêndios e 17 meios aéreos. Até esta terça-feira, a condução das operações estava na mão do comando distrital de Faro da Autoridade Nacional da Proteção Civil, mas passou para o comando nacional.

A dimensão do incêndio surpreende os especialistas?

Não. Todos os que foram ouvidos pelo DN reconhecem que Monchique era uma zona de risco referenciada. O investigador Xavier Viegas, que coordenou os estudos sobre os incêndios de 2017, não se mostra nada surpreendido com a dimensão e os efeitos deste incêndio. "Começou num período muito difícil das condições climatéricas, num território muito complicado de continuidade de vegetação e de serra que tem condições difíceis e perigosas de combate. Os aglomerados populacionais naquela zona criam uma complicação acrescida", refere ao DN. E acrescenta: "Quando não é controlado logo nas primeiras horas, facilmente se torna um grande incêndio".

O engenheiro florestal João Branco, da Quercus, é taxativo sobre este incêndio: "É inevitável enquanto não existirem medidas de ordenamento do território", que contrarie da "praga" de eucaliptos que povoam aquele território e outros em Portugal. "Este ano foi em Monchique, nos próximos será em vários outros locais", garante Paulo Pimenta Castro, engenheiro silvicultor, presidente da Associação de Investimento Florestal, mas admite que "não há possibilidade de mudar a curto prazo a epidemia que alastra pelo território". Também ele é um crítico da expansão de arvoredo, sobretudo eucaliptos, sem gestão do Estado.

Os meios de combate são suficientes?

"Nestes grandes incêndios não é por haver mais meios ou recursos que se conseguem extinguir mais rápido. Há muitas vezes que esperar que as condições meteorológicas ajudem", afirma Xavier Viegas. O professor manifesta-se, no entanto, "muito satisfeito com o cuidado que se está a ter na segurança dos operacionais e da população civil".

Quais as causas do incêndio em Monchique?

O professor Xavier Viegas insiste que esta área está há muito referenciada como de risco e denuncia que faltam faixas de descontinuidade (caminhos entre o arvoredo) na serra de Monchique, de um plano elaborado em 2006 pelo ICNF. O investigador lembra que a sua equipa esteve a estudar o grande incêndio de Tavira em 2012 e chegou à conclusão dos 120 quilómetros que deviam existir destas faixas apenas existiam 30 quilómetros. O que, sublinhou, impediu a colocação de meios humanos logo no primeiro dia em determinadas zonas, e que poderiam ter mais facilmente debelado aquele incêndio. "Em 2012 passou para a competência das autarquias a gestão dessas faixas e o ICNF desligou-se do processo, mas tem de haver supervisão. É por isso que digo que o ICNF está completamente fora de jogo e não está focado nos incêndios. É um pilar do sistema de proteção civil e não atua", critica Xavier Viegas.

João Branco atribuiu o incêndio de Monchique ao "excesso de eucalipto", que lembra "tem projeções brutais" que provocam fogos a dois quilómetros de distância. "Estamos numa situação em que o eucaliptal se expandiu de uma maneira completamente descontrolada", diz, até mesmo por causa dos incêndios. "As sementes começam a germinar e dominam a paisagem".

A mesma opinião tem Paulo Pimenta Castro que considera apenas como uma "medida mediática" a limpeza das matas. "É igual a zero", diz. "Sobretudo na época em que foi feita, finais de março e junho porque já cresceu tudo outra vez", acrescenta. E conclui: "Não podemos ter uma área de eucaliptal sem gestão, o que é muito diferente da monocultura ordenada".

Que medidas são necessárias?

Xavier Viegas adverte que, "infelizmente no nosso país há condições para arder em todo o lado, independentemente das zonas de risco. Não podemos estar descansados". Admite que foram tomadas algumas medidas nas aldeias e junto das casas, o que "ajuda a explicar que agora os danos pessoais sejam muito menores", mas garante que "falta fazer muito do resto".

O engenheiro florestal da Quercus, João Quadros, reconhece que o governo "teve coragem" ao aprovar a legislação que impede a expansão da área de eucalipto. Mas lembra que em Portugal já temos um milhão de hectares, ou seja 10% da área total do país, e a capacidade máxima concentrada no norte, centro/litoral, Algarve e Alentejo Litoral. É, por isso, que defende uma política ativa de "diminuição da área de eucalipto" e de substituição por outras espécies como carvalhos, cerejeiras, castanheiros e sobreiros. "São muito importantes para criar as descontinuidades", explica. Dá como exemplo os carvalhos, cujas folhas contêm muita água e que impede, em caso de fogo, a sua progressão. Defende também a aposta na silvicultura preventiva. "As contribuições financeiras neste setor são insuficientes. Enquanto o orçamento para a floresta não for cinco vezes superior não creio que vá ser possível resolver o problema", afirma.

Paulo Pimenta Castro defende que o Estado tem de ter mais responsabilidade na gestão do território. "É preciso que as pessoas saibam como garantir rendimento e um risco mais baixo. Em Pedrógão Grande não há acompanhamento técnico às pessoas para saberem o que devem plantar", sublinha.

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