Amancio Ortega ou Bill Gates? Portugal também tem mecenas, são é discretos

O patrão da Zara anunciou que dará mais de 320 milhões para combater o cancro. Bill Gates quer erradicar a malária. E Portugal? Tem bons doadores, nem todos publicitados.
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Recusou mais do que uma oferta de multinacionais para vender o grupo Delta, por querer preservar os postos de trabalho e as condições oferecidas aos trabalhadores. Emprega boa parte da população de Campo Maior. Criou uma associação sem fins lucrativos para apoiar crianças de famílias em dificuldades, onde funciona um ATL e são asseguradas várias atividades culturais. É conhecido por apoiar indivíduos ou entidades que o abordam com pedidos de ajuda: uma ambulância para ali, um equipamento médico para acolá, porque é amigo do médico que trabalha no hospital.

Rui Nabeiro, 88 anos, é a personificação do que costumamos definir como um mecenas. Mas não assume o rótulo. Até porque não procura (até evita) a publicidade: "Às vezes fala-se mas não se realiza. No nosso caso, do que vamos fazendo, só as pessoas vão sabendo e vão partilhando com os amigos."

Já lhe propuseram criar uma fundação, ainda pensou no assunto mas acabou por deixar a ideia de lado: "Uma fundação. O nome em si não dá alegria. Os meus pais eram muito humildes, os meus avós também e tudo o mais. Só me senti um pouco proativo em situações dessas [em que pode ajudar]. E não me arrependo", explica.

"O que posso dizer é que é uma questão de formação pessoal", acrescenta. "À medida que fui crescendo na vida senti uma obrigação de, tanto em relação aos nossos empregados como à comunidade, ir tirando umas mais-valias para ir ajudando", conta.

Investimento mais estruturado

Será o comendador de Campo Maior a exceção à regra ou apenas um exemplo de que o mecenato em vida por particulares com forte poder económico existe no país, sendo apenas mais discreto?

Recentemente, o proprietário da Zara e homem mais rico da Europa, o espanhol Amancio Ortega, anunciou que irá doar em vida, através da sua fundação, 320 milhões de euros para o combate ao cancro da mama. E noutros países há outros casos de empresários que decidem começar a partilhar ainda em vida.

Em Portugal não há muitos casos de milionários, como Bill Gates, Warren Buffet e outros agregados por esta dupla na iniciativa Giving Pledge, dispostos a doar boa parte das suas fortunas para devolverem à sociedade alguma coisa do que desta receberam.

Quando se fala nos grandes mecenas portugueses vêm à baila sobretudo algumas empresas, como a EDP, a GALP, a SONAE e o grupo Jerónimo Martins, ou fundações criadas após a morte de empresários que acumularam fortunas consideráveis, como a Gulbenkian ou a mais recente Fundação Champalimaud, que criou um centro de investigação de ponta na área do cancro, dirigido pela ex-ministra da Saúde Leonor Beleza.

Mas para Diogo Simões Pereira, empresário, antigo diretor-geral de recursos humanos da Educação e fundador e diretor executivo da associação Empresários pela Inclusão Social (EPIS), é tudo uma questão de rácio: "Se considerar os milionários doadores de Portugal e os dos Estados Unidos per capita, não sei se estamos melhor ou pior."

E também há, acrescenta, mais do que é tornado público, por vontade expressa ou não dos mecenas. "Há uma realidade escondida" de grandes mecenas, tanto particulares como empresas, "que existe mas muitas vezes as pessoas não querem que se publicite", garante. "Se pensarmos por exemplo na família Mello, a Fundação Amélia de Mello não é muito conhecida, mas tem uma atividade enorme de apoio a jovens com bolsas de estudo, tendo agora feito uma parceria com a Universidade Nova. Existe por exemplo a Fundação António Mota, da família Mota", acrescenta.

Mas para o diretor da EPIS - associação que há 13 anos, através de um sistema que conjuga auxílio financeiro com tutorias, tem conseguido assegurar sucesso escolar a crianças e jovens que estavam à beira do abandono - a maior prova de que a realidade do país só tem melhorado ao nível do mecenato vem dos apoios recebidos pela instituição que lidera.

"Atualmente os donativos anuais rondam o milhão de euros", revela. "Não estamos a falar só de uma fundação familiar: as pessoas estão a dar para a EPIS. Temos um conjunto de empresas que estão aqui todos os anos, desde 2006, e que já contribuíram nesse tempo com perto de 200 mil euros, valores que não se pode dizer que não sejam relevantes", defende. E a estes, acrescenta, juntaram-se outros particulares e empresas que "contribuem com dois, três quatro mil euros. Acho que Portugal está mais comprometido com a responsabilidade social, através das empresas ou dos cidadãos, do que estava há dez ou 15 anos", conclui

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