Homenagem a Giovani. Manifestantes desmobilizam depois de derrubarem barreiras na embaixada
Viveram-se momentos de tensão na Cidade da Praia, quando os manifestantes que participavam na homenagem a Luís Giovani tentaram invadir este sábado à tarde a Embaixada de Portugal em Cabo Verde. O estudante cabo-verdiano, de 21 anos, morreu a 31 de dezembro de 2019, dez dias depois de ter sofrido uma agressão perto de uma discoteca em Bragança.
Segundo a agência Lusa, mais de um milhar de manifestantes forçaram todas as barreiras policiais e conseguiram chegar à porta da embaixada portuguesa na Praia, ilha de Santiago, gerando-se momentos de tensão enquanto os manifestantes gritavam "justiça para o Giovani". A polícia viu-se obrigada a reforçar os efetivos no local, chamando o Corpo de Intervenção, e a rodear o edifício.
Os manifestantes irromperam pelo edifício do Palácio da Assembleia Nacional e foram travados pela polícia. Seguiram para a residência oficial do Presidente da República e depois para a casa da embaixadora Helena Paiva onde estavam pelas 17:20 locais (mais uma hora em Lisboa) concentrados e contidos pelos elementos do corpo de intervenção da Polícia Nacional.
Os manifestantes desmobilizaram ao fim de duas horas sem mais incidentes depois da intervenção da polícia cabo-verdiana na Embaixada de Portugal e na residência oficial da embaixadora.
Além da Cidade da Praia e de Lisboa, estavam previstas vigílias de homenagem a Giovani em Bragança Paris, Londres e no Luxemburgo.
Em Lisboa, centenas de pessoas juntaram-se no Terreiro do Paço, vestindo T-shirts brancas com a fotografia do jovem e ostentando panfletos onde se lê #justiçaparaogiovani. Os manifestantes começaram por se concentrar frente à estátua de D. José I onde permaneceram em silêncio, formando um círculo com velas e flores brancas no interior. Daqui, seguiram pela Avenida da Liberdade - obrigando ao corte de trânsito nas faixas centrais - até ao Marquês de Pombal e fizeram depois o percurso contrário até ao Rossio.
O em silêncio, disse Kleisy Ferreira de Pina, da organização, estava em consonância com Giovani "que esteve também dez dias em silêncio".
"Estou aqui para fazer justiça por aquele jovem que morreu. Portugal está a ficar inseguro. Estou aqui também pelo meu filho que tem a idade do Giovani. Também ele já foi vítima de agressões", disse à Lusa Maria Mendes.
No panfleto com a hashtag #justiçaparaogiovani encontra-se a letra de uma morna feita de forma a homenagear o jovem que, escrita em crioulo, fala da morte, de sentimentos, tristeza e sofrimento, explicou Maria Mendes.
Ivanilde Gomes, que veio de Cabo Verde para Portugal há três anos, contou à Lusa que veio à Praça do Comércio "em paz" para homenagear o jovem que morreu "barbaramente" em Bragança.
"Estou aqui não para conflitos, mas como um símbolo da paz e para que outros jovens não tenham de morrer como ele", disse Ivanilde, acrescentando esperar que a morte de Giovani "sirva para que os cabo-verdianos sejam ouvidos e não tenham de se calar com injustiças como a que aconteceu".
Na praça, muitos são os jovens com bandeiras de Cabo Verde, vendo-se pessoas de todas as idades, que respeitam o silêncio pedido pelos organizadores, empunhando cartazes exigindo justiça.
Na estátua de D. José I que parece observar o que se passa na praça do cimo do seu cavalo, foi colocada uma tarja onde se lê: "Contra o Racismo do Estado, Punição dos Crimes Racistas".
À Lusa, José Pereira, que pertence aos movimentos Consciência Negra e Em Luta, explicou a necessidade de, "acima de tudo e em primeiro lugar o Estado português esclarecer o que se passou".
"O Estado tem o dever de esclarecer", disse José Pereira avançando haver um "duplo padrão de comportamento do Estado quanto à prática deste tipo de crimes".
José Pereira denunciou também que as autoridades "agridem e brutalizam" quando vão aos bairros onde vivem pessoas "racializadas, negros, emigrantes e ciganos", acrescentando que "agem de forma diferente quando se tratam de não brancos".
"Tire o seu racismo do caminho" ou "Nu kre justiça" [Queremos justiça, em crioulo], são outros dos cartazes empunhados pelas pessoas, entre alguns balões brancos e pretos espalhados pela praça.
Às palavras da organização que pediam calma a todos para que a vigília em homenagem ao jovem corresse de forma pacífica, as pessoas que se encontravam na praça respondiam com palmas.
"Esta marcha tem por intuito demonstrar a indignação perante a violência que vitimou o nosso colega, solidariedade e homenagem a Luís Giovani", pode ler-se na mensagem que acompanhou a convocatória para a vigília marcada para o Terreiro do Paço, em Lisboa, que foi organizada pelos Caloiros de CV, colegas do jovem, e difundida através da rede social Facebook.
"Giovani, estudante cabo-verdiano radicado em Bragança, faleceu cedo demais. Tal como muito de nós abandonou a sua terra natal em busca de um futuro melhor", prossegue a mensagem dos colegas.
Está previsto que após a concentração silenciosa, seja lido um manifesto pelos organizadores do evento, seguindo-se a entoação da morna "Partida", de B.Léza. Está igualmente prevista a leitura de dois poemas pelo grupo Djidiu -- A Herança do Ouvido.
Os Caloiros de Cabo Verde apelaram desde o início aos participantes para que, entre outros procedimentos, sejam pacíficos e não recorram à violência.
A comunidade cabo-verdiana que se manifestou junto à embaixada portuguesa em Paris, pedindo justiça, encenou de forma simbólica a morte de Luís Giovani.
"Estamos aqui para dizer que o povo cabo-verdiano em Portugal, em Cabo Verde e no mundo inteiro está ciente dos seus direitos e deveres e que achamos que a forma como foi tratado o caso não foi natural e normal. Estamos indignados. O mínimo que se espera é que se faça justiça", afirmou Isabel Borges Voltine, uma das organizadoras da manifestação, em declarações à Agência Lusa.
Este protesto juntou mais de uma centena de pessoas, na sua maioria da comunidade cabo-verdiana em Paris, e incluiu uma encenação simbólica da morte de Luís Giovani através de expressão dramática, assim como palavras de ordem.
"Como mãe, quando soube o que se passou, deu-me a volta ao estômago. Não podia ficar silenciosa. Muitas vezes ficamos calados, compartilhamos nas redes sociais, mas não agimos. Portanto, eu decidi agir e pedir para que as pessoas comparecessem para lutar contra esta injustiça", disse Edna Rosa Semedo, outra das organizadoras do protesto.
(Em atualização)