Há 25 anos uma tragédia fechou o Aquaparque do Restelo
No dia 27 de julho de 1993 Cristina Caldas estava a passar um dia no Aquaparque do Restelo com a família quando foi dada como desaparecida. Dois dias depois, o mesmo aconteceu a Frederico Mendonça. As autoridades admitiram a hipótese de afogamento e optou-se por esvaziar a piscina "Ribeirão". Na madrugada de 29 para 30 de julho os corpos das duas crianças seriam encontrados no local. A explicação: as crianças, ambas com nove anos, tinham sido sugadas por duas tubagens diferentes, opostas umas às outras, à conta da ausência de uma rede de proteção. Na hora da descoberta, uma das grelhas estava colocada no sítio certo, não se sabendo até hoje quem a terá reposto. E passaram 25 anos.
A tragédia fez com que o espaço ficasse conhecido como o "Aquaparque da morte". No dia em que os dois corpos foram encontrados, um grupo de populares tentou obter explicações acerca do sucedido. Semesclarecimentos, forçaram a entrada no recinto em sinal de protesto.A multidão obrigou mesmo a uma intervenção do corpo policial, tendo respondido com o arremesso de pedras, até que, por volta das 4h30 da madrugada, os ânimos serenaram.
Na altura, Vítor Matias, administrador do complexo, afirmou à SIC não existirem problemas nas redes ou nas caixas por onde passava a água. Os bombeiros ouvidos e o coronel Lameirinhas, comandante dos Bombeiros Sapadores de Lisboa, também se mostraram incrédulos na tragédia, e até mesmo a Polícia Judiciária mostrava-se incrédula quanto ao facto dos corpos terem entrado naquelas estruturas estreitas
Por sua vez, o ministro do Comércio e Turismo, Fernando Faria de Oliveira, apontou como causas prováveis as condições de funcionamento e de vigilância das instalações da responsabilidade da entidade exploradora, encarregues da manutenção dos equipamentos. Chegou até a recomendar às administrações dos parques aquáticos que fosse reforçada a segurança e se cumprissem as normas em vigor.
A gravidade dos acontecimentos gerou um inquérito para apurar responsabilidades, que não foram atribuídas de forma clara. O parque viria a receber novas inspeções, sendo encerrado por tempo indeterminado. O espaço chegou a ser inspecionado a 5 de novembro de 1992. Os sapadores e técnicos da Direção Geral dos Espetáculos classificaram como positivas as condições de segurança, apesar de em junho do mesmo ano a DECO (Defesa do Consumidor) lhe ter atribuído uma classificação entre o "medíocre" e "mau". Também a revista Proteste colocava o Aquaparque do Restelo entre os piores ao nível das condições de segurança. E não eram poucas as falhas identificadas: não contavam automaticamente as entradas e saídas; a atração "Kamikaze" tinha forte inclinação e não dispunha de nenhuma barra transversalnem pegas de segurança; os vigilantes permitiam que os utilizadores saltassem na atração e que os adultos escorregassem com as crianças, não desempenhando as suas funções na piscina de receção do rio nem na piscina; não existiam avisos a alertar para uma vigilância constante das crianças por parte dos pais; acumulação de sujidade nos caminhos, junto das piscinas (beatas, lama, etc.); escadas sem corrimões; piscinas sem marca de profundidade.
Em conferência de imprensa, a DECO Proteste exigiu ao Governo que fosse criada uma regulamentação para o setor dos parques aquáticos e denunciou a falta de licenciamento para a construção e fiscalização da segurança nas respetivas instalações, defendendo que a tragédia poderia ter sido evitada se existissem normas e fiscalização adequada para o efeito.
No entanto, os pais intentaram um processo judicial junto das autoridades, que terminou com os administradores e os técnicos do Aquaparque a serem acusados de homicídio por negligência, mas também com responsabilidades atribuídas ao Estado, pela ausência de legislação sobre os parques aquáticos. O Estado reconheceu as culpas e recorreu da sentença condenatória sete anos depois da tragédia, tendo pago as indemnizações dois anos depois, já em 2002.
Em outubro de 2017, a constitucionalista e catedrática de Direito Lúcia Amaral foi eleita no parlamento para o cargo de Provedora de Justiça, e defendeu que o Estado não devia ter pago as indemnizações aos familiares das duas crianças que morreram no Aquaparque. O pagamento só foi feito em 2002, após um acordo extrajudicial, por ordem do PSD/CDS, com Celeste Cardona na pasta da Justiça.
Em causa estava a omissão legislativa sobre as regras de funcionamento dos parques aquáticos, que originou queixas por parte dos pais de uma das crianças. Inicialmente, o Estado foi condenado a pagar 120 mil euros aos pais de Frederico Duarte. O Tribunal de Relação voltou a dar razão à família, depois de o Ministério Público ter recorrido.
"No caso Aquaparque pede-se que o tribunal condene o Estado ao ressarcimento de prejuízos que terão decorrido, não de um ilícito legislativo ativo, mas de uma omissão do legislador, que terá deixado de emitir legislação específica adequada à regulação do funcionamento dos parques aquáticos. Tendo em conta tudo o que foi exposto, não se encontram em direito português quaisquer fundamentos que permitam concluir pela existência, neste caso, de um dever do Estado ao ressarcimento do agudo sofrimento dos privados", afirmou Celeste Cardona na revista Themis, em 2000.
Veja no seguinte vídeo o que restou do Aquaparque após o seu encerramento.
No passado mês de maio o vereador do Ambiente e da Estrutura Verde da Câmara Municipal de Lisboa afirmou à agência Lusa que o espaço viria a reabrir, mas como parque infantil. Chegou a ser atribuída a concessão a uma empresa privada para a criação de um parque temático, mas o projeto nunca avançou. No espaço outrora ocupado pelas piscinas existe agora um espaço verde com vários hectares, que conta com uma parte a descoberto onde já brincam crianças.
"Houve uma primeira fase de renaturalização, retirada das piscinas, pôr prado, plantar árvores, construir um parque infantil cá fora, está feito", disse na altura o vereador José Sá Fernandes, no âmbito de uma visita à obra. No local também existe um anfiteatro que a autarquia lisboeta pretendia utilizar para coisas informais e pequenos concertos durante o dia.
Este parque infantil será dividido em quatro faixas etárias, com equipamentos adequados a diferentes idades. A obra arrancou em abril e deverá estar concluída no dia 20 de março de 2019, no primeiro dia da primavera, e o investimento ronda os 750 mil euros.
"Aproveitámos estes pequenos edifícios que havia para fazer na mesma um parque infantil, mas coberto, que é uma coisa que faz falta em Lisboa, haver sítios que tenham cobertura para quando está mau tempo, chuva, vento, para as pessoas poderem usufruir", explicou o autarca responsável pela Estrutura Verde.
"É um espaço aberto para as famílias, é para estar aberto todos os dias. Acho que vai ficar muito agradável. O objetivo é as pessoas usufruírem, não só da natureza, mas também da brincadeira. Esta vai ser a conquista de uma nova parte de Monsanto", acrescentou José Sá Fernandes.
O nome ainda não está definido, e por isso o responsável conta com o contributo da população. Está ainda a ser estudado pelo vereador da Mobilidade, Miguel Gaspar, um plano para otimizar os transportes para o local.