Cova da Moura: MP deixa cair tortura e racismo da acusação

As alegações finais do caso de violência policial na esquadra de Alfragide, em que 17 agentes estão acusados, estão a decorrer no Tribunal de Sintra.

Os 17 agentes da PSP estavam acusados de tortura, sequestro e agressões motivadas pelo ódio racial, contra seis jovens da Cova da Moura, na Amadora. O Ministério Público (MP) entendeu que, em julgamento, não ficaram demonstrados factos nem lesões nos jovens que pudessem sustentar o "sofrimento atroz" de um ato de tortura.

Apesar de ter mantido a acusação de ofensas à integridade física e injúrias contra, pelos menos, sete dos 17 agentes - incluindo o chefe da esquadra - deixou cair a motivação racial para estas agressões físicas e verbais.

Em relação ao crime de sequestro que, juntamente com a tortura constituía uma das imputações mais graves a todos os arguidos, o procurador da República apenas pediu a condenação por esta acusação de, pelo menos, três agentes que detiveram Bruno Lopes no bairro - detenção essa ilegal, na sua ótica.

Não foi possível obter todas as informações em relação a cada um dos arguidos, pois o procurador do Ministério Público recusou esclarecer os jornalistas. Não está ainda claro que crimes e sobre que agentes o MP manteve a versão da sua acusação. Um dos agentes foi já totalmente absolvido. "Nenhum facto há sobre este agente, o seu nome só aparece quando é identificado", explicou Manuel das Dores.

O julgamento começou três anos após os incidentes. Deste processo fizeram parte cerca de 90 testemunhas, entre vizinhos, amigos e pais.

Polícias mentiram? Sim e não

O procurador começou por dizer que este "não era o julgamento da PSP nem da esquadra de Alfragide, mas de apenas 17 polícias, avisando que iria ser crítico com a falta de rigor de alguns pontos da acusação lavrada pelo seu colega Helder Cordeiro, coordenador do DIAP da Amadora.

Na análise que fez em relação aos primeiros acontecimentos no bairro da Cova da Moura, que envolveram a detenção de Bruno Lopes, o MP entendeu que neste caso a versão dos polícias era mentira em vários aspetos: em relação ao local, em relação ao motivo da detenção (que considerou ilegal e por isso manteve a imputação de sequestro para os agentes que a concretizaram), em relação ao número de disparos e à sua direção, e depois no autos falsificados que foram escritos.

Já não teve a mesma opinião em relação ao que depois aconteceu na esquadra, onde a acusação referia que tinham sido cometidos a maior parte dos crimes mais graves, como a tortura e as injúrias racistas e humilhantes.

No seu entender, a versão dos polícias - de que os jovens tentaram invadir a esquadra e que foram detidos por isso, tendo sido utilizada a "força adequada" - pode ser compreendida pela "perceção" que os agentes tiveram quando viram os ofendidos a chegar às instalações.

"Os ofendidos vão indignados com o que aconteceu, principalmente por causa dos disparos que tinham sido feitos contra pessoas no bairro. É impossível que vão com ar tranquilo. Acho que a atitude era hostil, não era de paz." Por isso acredita que os agentes tivessem temido que fossem invadir a esquadra para libertar o amigo Bruno Lopes.

O MP também teve dúvidas da versão da "abordagem pacífica" dos jovens e da resposta violenta dos polícias, estranhando que "numa rua onde passa tanta gente ninguém tivesse visto nada" que pudesse corroborar a versão dos ofendidos quanto a terem sido violentamente agredidos.

As duas versões

PSP

Segundo a PSP, uma carrinha de uma equipa que patrulhava o bairro, no dia 5 de fevereiro de 2015, foi atingida por uma pedra atirada por um jovem, Bruno Lopes. Na sequência do apedrejamento, terá sido detido e apresentado resistência. Um polícia sofreu ferimentos ligeiros, no rosto e nos braços, e foi transportado para o hospital Amadora-Sintra, e o jovem, de 24 anos, foi levado para a esquadra de Alfragide.

Mas o julgamento centra-se nas horas seguintes à detenção, em que, segundo a versão dos agentes, um grupo de cerca de dez jovens tentou invadir a esquadra da PSP de Alfragide, no concelho da Amadora, na sequência da detenção de Bruno.

Os polícias explicaram os ferimentos e os traumatismos nos jovens, registados no hospital, como resultado do "uso necessário" da força para impedir a sua resistência à detenção. Celso foi atingido na perna por uma bala de borracha, Miguel ficou sem um dente, Flávio ficou com a cara "irreconhecível" na descrição de algumas testemunhas.

Jovens

Esta versão foi, desde o início, contrariada pelos jovens, que se queixam de agressões, tortura e discriminação racial por parte dos agentes da PSP.

De acordo com Bruno Lopes, naquele dia, os agentes encostaram-no a uma parede, de braços e pernas abertos, e disseram "estás a rir-te porquê? Encosta-te aí à parede", antes de ter sido violentamente espancado.

Por serem ativos mediadores da Associação Moinho da Juventude e amigos de Bruno, Flávio Almada, Celso Lopes, Paulo Veiga, Miguel Reis, Angelino Almeida e Fernando Veiga dirigiram-se à esquadra para saber a situação do detido. Um dos polícias disparou contra a perna de um deles. Dois conseguiram escapar aos acontecimentos na esquadra.

Já na esquadra, os jovens descrevem momentos de tortura, violência física e racial.

Ficaram presos durante cerca de 72 horas.

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