Corrida ao lítio. Protesto contra a exploração sobe à Serra da Estrela

Só entre fevereiro e maio deste ano deram entrada mais de 20 pedidos de prospeção de lítio no interior-centro do país. Os ambientalistas estão preocupados com o impacto que vai ter na vida das populações, e este sábado manifestam-se na Torre, o ponto mais alto de Portugal continental
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Uma ação (criativa) de protesto contra a exploração de lítio em Portugal está marcada para amanhã, a partir das 10h00, na Torre, o ponto mais alto da Serra da Estrela e de Portugal continental.

A iniciativa é promovida em conjunto por várias organizações ambientalistas, ativistas e cidadãos, entre as 10h00 e as 14h30. A organização espera juntar entre 400 a 700 pessoas, que com os próprios corpos irão escrever uma mensagem de protesto: "Não às minas, água é vida".

"As intenções para explorar 1 831 420,6 hectares em Portugal apareceram sem aviso e em alguns casos as concessões já foram dadas ilegalmente", explica uma nota da organização - que reúne entidades diversas como a Awakened Forest Project e Wildlings, Tamera, Teia da Terra, Linha Vermelha, ou a Quercus. De resto, é esta última associação que tem vindo a divulgar os riscos da exploração a céu aberto, bem como "uma autêntica corrida ao lítio que está a acontecer em Portugal", como disse ao DN Pedro Santos, membro da direção nacional, e que alimenta um site especialmente dedicado ao tema. Mais: hoje mesmo deverá ser divulgado um relatório - a que o DN teve acesso - que apresenta estimativas para as emissões de CO2 associadas à exploração daquele minério a céu aberto. O que a Quercus pretende demonstrar é que "quando o governo diz que a aposta na exploração do lítio é para transição energética, muitas vezes a própria exploração (a céu aberto) tem emissões de CO2 duas vezes superior ao que era suposto".

Repetir o erro dos combustíveis fósseis

"O país não pode cometer o mesmo erro que cometeu com os combustíveis fósseis", afirma Pedro Santos. O engenheiro do ambiente dedicou grande parte do tempo a essa investigação nos últimos tempos, assim como a várias sessões de esclarecimento por todo o país. Isto porque, no entender dos ambientalistas, o Governo tem vindo a fazer a apologia da exploração deste minério, o que foi despoletado com um vídeo promocional, entretanto publicado no site da Empresa de Desenvolvimento Mineiro, SA. Neste vídeo, o anterior secretário de Estado da Energia, Jorge Seguro Sanches, também aparece a apelar ao investimento estrangeiro nesta área.

O que fez soar os alarmes aos ativistas foi o número de pedidos de prospeção que deram entrada na Direção Geral de Energia e Geologia nos últimos tempos. "Só entre 21 de fevereiro e 22 de maio uma única empresa deu entrada com 22 pedidos", revela ao DN Pedro Santos. "Isso foi mais do que em três anos e meio. O que lhe posso dizer é que, neste momento, o lítio está num plano equivalente ao ouro, do ponto de vista dos pedidos de exploração", enfatiza.

Drones filmam protesto

O protesto será filmado a partir do ar com drones e a ideia é que essa mensagem visual seja divulgada internacionalmente "para ampliar as vozes dos milhares de cidadãos e grupos ambientais do centro e norte do país que estão contra a mineração de lítio e outras substâncias à porta das suas residências".

A escolha do local prende-se com o facto de existirem diversos pontos de prospeção de lítio à volta da Serra da Estrela, com a concessão "Boa Vista", que abrange a região na margem esquerda do rio Mondego, e contempla os concelhos de Seia, Tábua, Oliveira do Hospital e Gouveia.

Uma das mentoras do protesto é a inglesa Laura Williams, britânica radicada em Portugal e parte do Awakened Forest Project. A ativista disse ao DN que esta será "uma forma criativa de revelar ao mundo o crime ambiental que está para acontecer e exigir às autoridades mais informação e transparência, especialmente sobre o impacte negativo para o ambiente e para a nossa sociedade."

Risco para o ambiente

De acordo com organização, a mineração deste tipo ocorre principalmente a céu aberto e utilizando explosivos e agentes químicos com grande risco para o ambiente, como a contaminação da água e a poluição atmosférica. "Isto terá não só impacto na saúde pública, como também na economia local, na agropecuária e no turismo, degradando uma paisagem já em si afetada pelos incêndios florestais e monoculturas", refere o manifesto da organização. Raquel Perdigão, monitora de educação ambiental, residente em Benfeita (Arganil) despertou para a necessidade de "fazer alguma coisa" precisamente depois dos fogos de outubro de 2017. "Logo a seguir começaram a aparecer pedidos de prospeção", conta, ela que é conhecedora de "uma região que é muito rica neste minério".

Raquel acredita que o protesto de sábado causará impacto não só a nível nacional como internacional. De resto, os ativistas contam com o apoio de diversos municípios da região, que se já se manifestaram contra esta exploração em massa.

Laura Williams afirma que neste momento "o trabalho mais importante a fazer - pelo Governo e pelas comunidades - é a regeneração da terra e dos ciclos de água através de estratégias de reflorestação e retenção de água, para assegurar que todo o tipo de vida possa vencer e crescer nesta terra linda e cheia de biodiversidade".

Nos últimos três meses foram publicados em Diário da República vários avisos através Direção Geral de Energia e Geologia, onde várias empresas requereram a atribuição de direitos de prospeção e pesquisa de depósitos minerais como lítio e estanho, entre outros. Foram feitas pedidos em todo o país, mas com grande concentração no Norte e o Centro. Na região de Viseu foram feitos pedidos por parte da uma empresa Australiana nos concelhos de Viseu, Nelas, Mangualde, Penalva do Castelo, Gouveia, Seia, Oliveira de Hospital, Tábua e Carregal do Sal. Outras ocorrências de lítio localizam-se em Serra de Arga (dividida pelos concelhos de Caminha, Ponte de Lima e Viana do Castelo), Covas do Barroso (Boticas), Barca d'Alva (Figueira de Castelo Rodrigo), Guarda, Mangualde e Segura (Idanha-a-Nova). Em todas elas os habitantes têm estado contra a exploração, criando diversos grupos de mobilização e informação.

Laura Williams está em Portugal há cerca de 9 anos, na comunidade de Benfeita. Tem acompanhado a campanha contra o lítio desde que tomou "conhecimento da ameaça à Beira Interior por volta de abril deste ano". "A ameaça da mineração e do fracking do lítio é agora tão iminente e generalizada que percebi que algo maior do que enviar cartas de oposição às autoridades precisava ser feito. As pessoas precisam ser informadas sobre o que é planeado e ter a oportunidade de expressar as suas opiniões sobre isso", conclui. "Esta linda terra também merece uma voz. No sábado seremos essa voz".

Laura sublinha a importância de alertar as pessoas a nível nacional e internacional "sobre a mineração de lítio que está prevista em Portugal e os perigos da mineração de lítio em todo o mundo, especialmente para vias navegáveis". Para além disso, a organização pretende "ressaltar que as baterias de lítio não são uma alternativa "limpa" aos combustíveis fósseis e que o investimento deve ser direcionado para outras tecnologias de armazenamento, como as células a combustível de hidrogénio". "Também é importante "exigir a transparência do governo Português e consulta pública significativa sobre a mineração e suas consequências ambientais e sociais" e "exigir que a regeneração do ecossistema seja colocada como prioridade nas agendas nacionais e internacionais - sem ecossistemas intactos, a nossa espécie simplesmente não pode sobreviver com ou sem carros elétricos", salienta Laura Williams.

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