Ataque a Alcochete: PJ e PSP debaixo de fogo do MP

O Ministério Público (MP) alega que a PJ atrasou a investigação e que a PSP apoiou a liderança de "Mustafá" defendendo que iria ser "pacificador" das claques, depois do juiz Carlos Alexandre o ter libertado em 2015. PSP já reagiu ao DN

A Polícia Judiciária (PJ) e a PSP estão debaixo de fogo do Ministério Público (MP) por causa da investigação ao ataque à Academia de Alcochete. Na acusação que deduziu contra os 44 arguidos, entre os quais Bruno de Carvalho e líder da Juve Leo, "Mustafá", a procuradora titular do inquérito, Cândida Vilar, responsabiliza a PJ por atrasos na investigação e a PSP por ter defendido o papel de "Mustafá" como "pacificador" da claque. A Direção da PSP já reagiu ao DN, a PJ promete reagir.

Segundo esta magistrada do Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Lisboa, a investigação às agressões aos jogadores e elementos da equipa técnica do Sporting, em maio deste ano, "não está totalmente concluída" porque a PJ não facultou " qualquer informação sobre as interceções telefónicas ao alvo André Geraldes".

Geraldes era na altura team-manager do Sporting e o DIAP tem registos da sua participação em reuniões onde Bruno Carvalho e Nuno Mendes, "Mustafá", terão começado a planear o ataque à Academia. André Geraldes foi detido poucos dias depois dos incidentes, mas por suspeita de estar envolvido num esquema de manipulação de resultados dos jogos de futebol e andebol - o Cashball.

O DIAP quis ter acesso às escutas e metadados que a PJ do Porto tinha no âmbito daquele inquérito para extrair as mensagens que acredita existirem e estarem relacionadas com o ataque, mas não conseguiu. "A PJ não transmitiu qualquer informação sobre o conteúdo dos telefonemas e mensagens, sendo certo que alguns deles poderão nem estar transcritos no processo de inquérito de que é titular o magistrado do MP. Acresce o facto de não ter sido possível extrair conteúdos supostamente apagados do telemóvel do arguido Bruno Jacinto, dado que, segundo informação do Sr. Coordenador da PJ, o programa não o permitiu", escreve Cândida Vilar.

O MP diz estar convencido que "estando o telefone móvel intercetado poderão existir conversas e mensagens que seriam relevantes para a prova", até porque, é sublinhado, "o arguido Bruno Jacinto declarou que tinha avisado por mensagem André Geraldes, de que elementos da claque Juve Leo iam à Academia do SCP".

No entanto, critica a Procuradora, "nada disto foi confirmado, porquanto a PJ não transmitiu qualquer informação sobre o conteúdo dos telefonemas e mensagens sendo certo que alguns deles poderão nem estar transcritos no processo de inquérito de que é titular o magistrado do MP".

O DN pediu à PJ que esclarecesse estas situações, mas fonte oficial da Direção Nacional prometeu "para breve" uma reação.

Carlos Alexandre libertou, PSP apoiou

Em relação à PSP, a magistrada do DIAP responsável pela investigação de Alcochete descreve o papel desta força de segurança na libertação de "Mustafá" em 2015, quando foi detido pela prática de crimes de associação criminosa, roubo e sequestro.

Na altura, o juiz de instrução Carlos Alexandre considerou que o arguido "estava arrependido dos crimes imputados e que existiam condições objetivas de segurança para o libertar". Segundo escreve a procuradora no despacho de acusação, essa posição foi "secundada pelo Núcleo de Informações Policiais da PSP, considerando-se aí, que o arguido Nuno Mendes, apesar de ter sido preso pelos crimes de associação criminosa, roubo e sequestro, era um elemento respeitado pela larga maioria de adeptos da Juve Leo, era um "fator pacificador no seio do Grupo Organizado de Adeptos (GOA) e contribuía para a diminuição drástica de utilização de artefactos pirotécnicos na bancada do Estádio José de Alvalade e em todas as bancadas onde estão adeptos do Sporting afetos à Juve Leo".

Cândida Vilar diz que "aproveitando-se da situação de se encontrar em liberdade e de saber que a Unidade Metropolitana de Informações Desportivas (UMID) da PSP o considerava um elemento pacificador da claque, o arguido Nuno Mendes, bem como outros elementos que o apoiavam, apresentam-se numa lista única à liderança da Juve Leo, sendo o arguido eleito presidente em outubro de 2016".

Mas, descreve a procuradora, "Mustafá" reuniu um "núcleo próximo" que integrava vários dos atuais arguidos do caso de Alcochete, "cumprindo as ordens que lhes eram transmitidas, designadamente, a prática de agressões dentro e fora do estádio, introduzir tochas e outros artefactos pirotécnicos no interior dos estádios e lançá-los, quando Nuno Mendes, através de diretivas, determinava à prática dessas acções, sendo que a PSP registou durante a época de 2017/18, 15 deflagrações ou posse de artefactos pirotécnicos e 17 processos crimes a elementos da Juventude Leonina".

Vilar sublinha que, em vez de uma claque pacificada, "com a eleição de Nuno Mendes, a Juve Leo passou a ser o suporte institucional que o grupo mais radical de adeptos do SCP, entre os quais os arguidos, decidiram utilizar para viabilizar o prosseguimento das atividades criminosas a que se propunham e que se traduziam na prática de agressões e outras ações violentas, designadamente no lançamento de tochas durante os jogos, agressões a adeptos rivais e a elementos das forças de segurança".

PSP: "Controlo de danos"

Fonte oficial da Direção Nacional da PSP considera que "o teor da acusação é factual e elenca o desenrolar do percurso de um dos arguidos desde o seu envolvimento num processo datado de 2014". No entanto, refuta as críticas implícitas na acusação, justificando as medidas tomadas.

Assinala que, no processo de 2015, o MP "solicitou informação à PSP", para responder a um requerimento do arguido "Mustafá" visando a apreciação das medidas de coação. Nesse sentido, "a PSP, realizou uma avaliação da realidade, à data, que envolvia a organização, funcionamento e actividade do Grupo Organizado de Adeptos (GOA) conhecido como Juventude Leonina".

Essa avaliação teve em conta "toda a envolvente que se vivia em 2015 em redor daquele GOA, altura em que diversas fações politicamente conotadas pretendiam assumir a liderança da Juventude Leonina, num cenário incerto e potencialmente perigoso" - estavam em disputa, recorde-se, grupos ligados à extrema-direita.

Nesse sentido, "a informação prestada pela PSP, em 2015, assumiu sempre uma perspetiva de 'controlo de danos' e transmitiu à entidade judiciária competente e requerente a sua perceção de um fenómeno dinâmico e complexo".

A PSP lembra que, no processo de Alcochete, foi criada uma "equipa mista", envolvendo o MP, a GNR e a PSP e que "desde o primeiro momento", o MP "considerou fundamental o envolvimento permanente da PSP (apesar da investigação ter sido delegada noutra força de segurança), atendendo à larga experiência e acompanhamento permanente do fenómeno da violência no desporto que a PSP tem que assumir há muitos anos".

Como exemplo da sua "experiência" no fenómeno de violência no futebol, a PSP revela que o seus peritos identificaram 19 dos suspeitos envolvidos ao ataque à Academia do Sporting.

A PSP refuta ainda que tenha considerado "Mustafá" como "pacificador", expressão utilizada pela procuradora do DIAP. "Não existe uma classificação dos adeptos numa escala violento/pacificador", garante o porta-voz da Direção Nacional.

Questionada pelo DN sobre a referência na acusação de que "Mustafá" teria estado interditado de entrar em estádios, a mesma fonte responde que este "atualmente" não possui "qualquer medida de interdição que o impeça de entrar em recintos desportivos, quer ao nível administrativo, quer ao nível judicial".

A PSP "acompanha com o mesmo nível de preocupação todos os GOA associados a práticas violentas em ambiente desportivo, não sendo a Juventude Leonina um caso especial", afiança esta fonte oficial.

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