Aprender português num país "very good"
À medida que a sala começa a encher-se vai ficando mais e mais colorida: as mulheres indianas vêm vestidas a rigor com os sáris, os homens sihk trazem os turbantes em tons garridos, como o laranja e o azulão... Entram com aquela alegria miudinha, a sorrir com o olhar. Na sala de aula da professora Sandra Almeida a maioria dos alunos são indianos, do Punjab, paquistaneses ou ucranianos. Todos têm um desejo comum: aprender a falar e a escrever português. A maioria quer conhecer a língua para melhor conversar com os clientes portugueses que procuram os seus estabelecimentos - lojas de fruta, de conveniência, de artigos eletrónicos - mas se conseguirem o certificado podem também usá-lo no processo de aquisição de nacionalidade.
A Escola Secundária de Caneças acolhe a cada ano letivo 120 formandos nas aulas de português para estrangeiros, em regime pós-laboral, integrado no programa Português para Todos. Nesta turma há 25 imigrantes. Muitos vêm em casal, como Balvir Singh, indiano, que sai a meio da aula porque tem de ir trabalhar para o restaurante no Cais do Sodré - fica a mulher, Manjit Kaur, que ao chegar a Portugal ficou muito surpreendida por não haver lixo no chão.
Hardeep Kaur e o marido, Jaimal Singh, vieram da região indiana do Punjab e vivem em Odivelas, onde exploram um minimercado. "A minha terra não tem futuro, não tem gente nova", conta Jaimal que queria comprar "com muito gosto" o apartamento onde vivem. "O banco não empresta, só 25, 30 mil euros no máximo... Paguei 1600 euros de IRS, mas não empresta."
Há mais casais. Umair Ali Khan, motorista, volta nesta noite a ter como parceira na sala de aula a mulher, Shumaila, que deu há luz há menos de uma mês. A bebé dorme no carrinho, num dos corredores da escola, à guarda de um amigo. A mãe quis regressar às aulas para se preparar para o exame final, marcado para dia 18. É este empenho que a professora sublinha. "São adultos e têm os objetivos bem definidos, uma motivação diferente." Essa motivação traz também à sua sala famílias inteiras, como a do ucraniano Oleksandr que, nas duas noites que têm aula, vem acompanhado da mulher, do filho e da namorada deste.
A matéria da aula não é fácil para quem fala línguas tão diferentes. É noite de revisões porque se aproxima o exame que lhes poderá dar o certificado de aptidão em Português iniciação A1+ A2. Os verbos irregulares no pretérito perfeito é a matéria que estão a praticar. E, para os formandos, não é fácil perceber que o pretérito de "trazer" se transforma de "traz" para "trouxe" - o X complica a grafia e a fonia. Mas com o tempo, esforço e a olharem para o caderno, os exercícios vão sendo feitos milagrosamente. Pronunciar é a tarefa que se revela mais difícil e que até dá azo a algumas risadas.
Quando a comunicação se torna mais difícil - a professora fala muitas vezes em inglês mas nem sempre é compreendida - para fazer de tradutora para a maior parte da turma, está lá a jovem Kamaljit Kaur, de 20 anos, que fala urdu, inglês e alguma coisa de Português. E que, mesmo não conhecendo a nossa língua fluentemente, já usa os diminuitivos como "muleta". Põe "inhos" e "inhas" em tudo o que diz. "Conheço lojas de telemóveis, o meu pai tem uma loja, e muitas coisinhas assim". Nos exercícios que junta as conjugações verbais e a descrição de uma visita de estudo ao Castelo de São Jorge, Kamaljit não resiste: "Ficámos meia hora, observámos a baixinha..." Ou seja, a baixa pombalina.
A língua pode não ser fácil de aprender mas é bonita, dizem. Alguns já conseguem assinalar a sua palavra preferida. Suba Singh Bhanga, indiano de 59 anos, é uma figura que mete respeito pelas suas longas barbas brancas e turbante, tradições sikh. "Por favor", porque significa educação, é a sua palavra de eleição; o paquistanês Umar Ali Khan prefere "olá", porque facilita a comunicação; "maravilhoso" porque é bonita, é a palavra eleita pela ucraniana Natalia Steshyna enquanto Kamaljit Kaur prefere Deus, porque é isso mesmo, "god".
A aula acaba antes das 23 horas, mas antes há um intervalo para jantar. Muitos trazem iguarias da sua terra e não se esquecem da professora, querem que ela conheça a sua gastronomia. "Há semanas em que não faço almoço nem jantar. Até aprendi a gostar de picante", diz Sandra Almeida.
No bar há uma mesa de mulheres. Nitu, 30 anos, é a mais conversadora, está ansiosa para falar da cultura do seu país, mas acaba por se perder na apreciação àsmulheres portuguesas que "são simpáticas, sorriem muito e vestem roupas bonitas". Ela, que não traz sári, considera que as portuguesas são "mais modernas, mais fashion". A jovem Kamaljit entra na conversa. "Na nossa terra temos que usar dupatta", diz enquanto pega no lenço que lhe cobre o pescoço e fala das roupas curtas das ocidentais. "Não acho mal, mas nunca usei... As mulheres portuguesas são mais independentes porque trabalham. O meu pai deixa trabalhar, mas agora estou concentrada nos estudos", acrescenta.
Nitu, que na Índia era professora primária (o marido é engenheiro mas aqui é pintor) sente precisamente falta de ter uma atividade que a tire do aborrecimento que é estar fechada em casa. Mesmo não falando bem português - "nunca podemos perder a esperança..." Essa mesma esperança que a trouxe à procura de um futuro melhor, como aos seus colegas de turma. Porque, dizem, "Portugal is very good"!