Da família às agressões. Tudo o que se sabe sobre a morte de Valentina
O pai e a madrasta de Valentina, a criança de nove anos morta em Peniche, vão ficar em prisão preventiva, decidiu esta quarta-feira o juiz de instrução criminal do tribunal de Leiria.
Sandro, o pai da menina, está indiciado do crime de autoria de homicídio qualificado, de co-autoria de profanação de cadáver e ainda de violência doméstica sobre Valentina, que na altura da morte vivia com o pai e com a madrasta. Já Márcia, a madrasta, está indiciada da autoria do crime de homicídio qualificado por omissão e dolo eventual, bem como da co-autoria de profanação de cadáver.
Valentina tinha nove anos. O seu corpo foi encontrado no domingo, na Atouguia da Baleia, depois de a criança ter sido dada como desaparecida na quinta-feira. O resultado preliminar da autópsia à criança aponta para uma morte violenta, com lesões na cabeça e indícios de asfixia. O funeral de Valentina realizou-se na terça-feira, no Bombarral..
Os pais de Valentina estão separados e partilhavam a guarda da filha. Valentina passava a maior parte do tempo com a mãe, Sónia Fonseca, no Bombarral, e frequentava o 3.º ano da Escola Fernão do Pó.
Mas, durante este período de quarentena devido à covid-19, estava a passar uns dias em casa do pai na Atouguia da Baleia, Peniche.
O pai, Sandro Bernardo, tem 32 anos, e a madrasta tem 38 anos. Com eles moravam ainda um rapaz de 12 anos (filho da madrasta), uma criança de quatro anos e um bebé de meses (filhos de ambos). O casal morava há cerca de um ano naquela casa, no Bairro do Capitão.
De acordo com o jornal Público, Sandro Bernardo tinha planeado emigrar para a Bélgica com a família já dentro de uma semana, para trabalhar na construção civil, deixando Valentina aos cuidados da mãe.
A menina já tinha desaparecido uma vez de casa do pai, em 2018, quando viviam em Peniche. Nessa altura, foi encontrada pelas autoridades, numa estrada, e disse que tinha sentido saudades da mãe e queria ir ter com ela.
A criança foi então sinalizada pela CPCJ - Comissão de Proteção de Crianças e Jovens, mas não se encontraram vestígios de maus tratos na altura, nem nenhum testemunho recolhido até agora levaria a crer que eles existiriam. Também não são conhecidos problemas relacionados com álcool ou drogas na família.
A polícia acredita que esse foi um incidente isolado e que não está relacionado com os acontecimentos presentes.
Na quinta-feira de manhã, o pai deu o alerta do desaparecimento no posto da GNR de Peniche. O pai informou que a menina tinha vestido um pijama, chinelos brancos e um casaco azul
Sandro Bernardo disse às autoridades que tinha visto a filha pela última vez por volta das 1.30 da madrugada (noite de quarta para quinta-feira), quando foi ao seu quarto e lhe aconchegou a roupa da cama. Às 8.30 da manhã, descobriu que a menina não estava em casa.
A GNR começou as buscas por Valentina nessa quinta-feira, com apoio dos Bombeiros Voluntários de Peniche, e já com a Polícia Judiciária no local.
Foram utilizados drones, animais (cães pisteiros) e várias patrulhas na freguesia de Atouguia da Baleia. Ao final do dia de sexta-feira, 8 de maio, ainda não havia sinais de Valentina. "Não houve quaisquer indícios" do paradeiro da criança, dizia fonte da GNR à agência Lusa.
"Vamos continuar de noite no terreno com 'drones' e patrulhas territoriais", garantia fonte oficial do Comando Territorial de Leiria.
No Facebook, a mãe de Valentina pedia a ajuda de todos:
Cerca de 100 voluntários - familiares, amigos e outros moradores do local - juntavam-se entretanto às buscas que se prolongaram pelo fim de semana. No total, "mais de 600 elementos" das forças de segurança participaram nas buscas, indicou o comandante da GNR das Caldas da Rainha, "numa área percorrida de sensivelmente quase 4 mil hectares, palmilhada mais do que uma vez em alguns locais", embora nenhum deles o sítio onde o corpo viria a ser encontrado.
A investigação começou como um desaparecimento mas os indícios que surgiram, relacionados com a "análise, entrevistas e interrogatórios" realizados a várias pessoas, levaram a polícia a acreditar que se tratava de um crime. "As entrevistas e inquirições feitas a várias pessoas permitiram-nos fazer a correlação entre todos os dados que tínhamos em cima da mesa no sentido de colocarmos todas as hipóteses que seriam possíveis até encontrarmos indícios de condutas criminosas", explicou Fernando Jordão.
O coordenador da PJ de Leiria não apontou um momento concreto que levou os inspetores a tratarem o caso como um possível crime. "Perante um caso de desaparecimento, temos de abrir muitas hipóteses e sub hipóteses. Não há um momento em que se possa dizer que acabou o desaparecimento e é um grande homicídio. O que se pode dizer é que é um desaparecimento que veio a redundar num homicídio."
Ao início da manhã de domingo, o pai terá acabado por confessar e levar a polícia até ao local onde estava o corpo de Valentina. O corpo foi encontrado a cerca de cinco quilómetros da habitação, "numa zona de mata da Serra d"el Rei", "tapado" por "arbustos", mas "não estava enterrado".
Depois disso, a PJ realizou uma reconstituição do crime, levando, separadamente, o pai e a madrasta de Valentina, até casa, onde, acredita-se, terá ocorrido a morte. O pai também acompanhou a polícia até ao local onde o corpo foi encontrado, explicando como o levou para lá no carro.
"Estamos a verificar [o cenário da morte], mas claro que terá de ter acontecido em algum contexto de violência", disse o coordenador do Departamento de Investigação Criminal da PJ de Leiria, Fernando Jordão, no domingo, descartando, "à partida", a tese da morte acidental. Adiantou ainda que a morte terá ocorrido "por questões internas do funcionamento da família".
A polícia admitiu que falou com o filho mais velho da madrasta de Valentina, de 12 anos. O seu testemunho poderá ser importante para perceber o que aconteceu.
A PJ está convencida de que o crime aconteceu em casa, durante o dia de quarta-feira, tendo sido o corpo levado ao final desse dia para o local onde foi depois encontrado.
O resultado preliminar da autópsia à criança aponta para uma morte violenta, com lesões na cabeça e indícios de asfixia. Embora haja indícios de asfixia, a criança de 9 anos terá sofrido agressões em vários locais, o que lhe causou diversas lesões, incluindo na cabeça, segundo fonte policial.
Ainda não é possível garantir se alguma destas agressões resultou na morte ou as duas situações em simultâneo, uma vez que as causas da morte só serão confirmadas depois de exames laboratoriais. Este ainda não é o relatório final da autópsia, mas apenas um exame preliminar.
Na terça-feira, o pai e a madrasta de Valentina foram ouvidos, separadamente, no Tribunal de Leiria. A primeira a ser ouvida foi a madrasta da criança de nove anos, num depoimento que terá durado cerca de duas horas. O pai foi ouvido em seguida e as declarações do homem terão demorado pouco mais de uma hora.
De acordo com o Correio da Manhã, o pai terá afirmado que não teve qualquer responsabilidade na morte da filha: confirma que terá havido uma discussão e diz que Valentina começou a ter convulsões. A discussão terá acontecido na casa de banho. O pai rejeita ter sido violento com a menina e iliba a mulher de qualquer responsabilidade. Por seu lado, Márcia terá dito ao juiz que, embora não estivesse presente, percebeu que o pai estava a ser violento com Valentina e ouviu os gritos dela. No entanto, não a ajudou, não chamou a polícia nem pediu apoio médico.
Já o Jornal de Notícias revela que Valentina foi agredida durante quatro dias antes de morrer às mãos dos últimos violentos maus-tratos infligidos pelo pai, na última quarta-feira.