A geração da crise, mais uma vez a mais atingida pelo covid-19

É a faixa ente os 26 e os 45 anos que mais afirma ter perdido rendimento. E são os trabalhadores por conta própria os que mais deixaram o trabalhar, o que pode ter efeitos no dinamismo da economia nos próximos tempos. <em>[Este texto foi publicado originalmente no dia 24 de maio e faz parte de um lote de trabalhos relacionados com a covid-19 que o DN está a republicar.]</em>
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É a geração ativa, com idades entre os 26 e os 45 anos, a que mais afirma ter perdido rendimento por causa das medidas contra o covid-19, segundo a análise da Opinião Social do Barómetro Covid-19 desta semana, da Escola Nacional de Saúde Pública, em parceria com o DN. Ou seja, a geração de que foi apelidada de "à rasca", há 10 anos, e que levou com a crise de 2009 à entrada do mercado de trabalho, é novamente a mais atingida pela crise.

Estes são quem mais reporta ter perdido rendimento - na casa dos 48%. E uma em cada três pessoas deste grupo etário afirma ter suspendido a sua atividade ou ter perdido totalmente o seu rendimento. Mais de metade perdeu-o parcialmente. São as pessoas que trabalham por conta própria quem mais suspendeu a atividade - 48%, comparativamente com 17% dos que trabalham por conta de outrem - e quem mais revela ter perdido rendimento - 37% diz tê-lo perdido totalmente, comparativamente com 2% dos que trabalham por conta de outrem. Isto sugere que a estabilidade no vínculo laboral poderá, em parte, estar associada a menor perda de rendimento.

Pior, são os que dizem ter menor rendimento os que mais suspenderam a atividade: 49% das pessoas consultadas que auferem até 650€ suspenderam a atividade profissional, proporção que diminui com o aumento do escalão de rendimento.

Além disso, esta é a geração que, mantendo o seu trabalho, mais têm que trabalhar no local no trabalho, expondo-se ao risco de covid-19. 35% das pessoas com idades 26-45 anos refere ter de deslocar-se para trabalhar, e são precisamente os que, muito logicamente, se sentem em maior risco de contrair a doença: um em cada dois considera que está em risco elevado, comparativamente a 13% dos que permanecem em teletrabalho.

Este é também o grupo em que se encontram a maioria dos pais das crianças que brevemente irão voltar às creches. Estes são dados após sete semanas de inquérito, e com cerca de 180 mil questionários preenchidos.

Em geral, a crise está a ser o maior problema do covid-19 em Portugal, uma vez que até agora, os dados de saúde são animadores - já houve cerca de 28 mil pessoas infetadas , com uma taxa de crescimento média do número de novos casos, no mês de maio, bastante inferior à observada em Abril, o que indicia que está a haver uma desaceleração do contágio. Dos contágios, 31% são pessoas com menos de 40 anos.

O que está, de facto, a afetar a população é a crise económica. Quando questionados sobre a perda de rendimento durante o período COVID-19, 43% dos respondentes refere tê-lo perdido parcialmente ou totalmente. E é uma crise que mais uma vez vai acentuar desigualdades sociais, já que são as pessoas com rendimento inferior quem sofreu mais - 25% das pessoas com rendimento até 650€ perdeu-o totalmente e cerca de 39% perdeu-o parcialmente.

O efeito disto é óbvio: o estado de ansiedade das pessoas com idades entre os 26-45 anos. Um em cada três refere sentir-se ansioso ou agitado todos ou quase todos os dias. E, entre estes, são os que trabalham fora de casa, no local de trabalho habitual, ou em contacto com o público e colegas, os que afirmam sentir-se mais ansiosos mais frequentemente.

34% assumem essa ansiedade quase todos os dias, comparativamente com 24% dos que estão em teletrabalho. Mesmo assim, são apenas 40% dos que perderam todo o seu rendimento os que se afirmam mais ansiosos - comparativamente com 22% dos que não perderam rendimento nenhum.

Por todas estas razões, o grupo que tem analisado este barómetro indica que "são necessárias medidas de apoio social e económico para mitigar os efeitos da crise, particularmente neste grupo, que vê deteriorada a sua situação socioeconómica, mas que representa parte importante da "força motora" para superar a crise nos próximos tempos".

Portugal iniciou o "desconfinamento" há duas semanas, o que significa que só a partir dos próximos dias se pode começar a avaliar o seu efeito epidemiológico: e sobretudo a forma como vai evoluir o contágio. Olhando para o contexto internacional, verifica-se, no entanto, que os países europeus que começaram o fim das restrição primeiro, como a Noruega, Áustria e República Checa, estão entre os países que atualmente apresentam as menores taxas de crescimento média do número de novos casos. E que isso se mantém, mesmo para além da data de desconfinamento.

* Nota sobre o Barómetro Covid-19
Projeto de investigação da Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade Nova de Lisboa (ENSP-NT) com equipa multidisciplinar de investigadores, médicos de saúde pública, epidemiologistas, estatísticos, economistas, sociólogos e psicólogos. Semanalmente são apresentados no Diário de Notícias dados efetivos e análises científicas sobre a pandemia, com o objetivo de contribuir ativamente para a sua compreensão, assegurar uma ferramenta de apoio à tomada de decisão e gerar conhecimento.


Autores: Sónia Dias (coordenação científica), Ana Rita Pedro (coordenação executiva), Ana Gama; Ana Marta Moniz, Beatriz Lourenço, Carla Nunes, Cláudia Parreira, Fernando de Avelar, Patrícia Soares, Pedro Laires e Rui Santana. www.ensp.unl.pt

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