Opinião. Portugal vai mesmo fechar as portas para os brasileiros?
Texto: André Lima*
Não é novidade para ninguém. O Parlamento português aprovou, com maioria tranquila e sem remorso aparente, uma série de alterações na Lei de Estrangeiros que atingem em cheio a vida dos imigrantes. Desde a semana passada, o tema tem dominado grupos de WhatsApp, rodas de conversa e manchetes no Brasil. O sentimento geral? Um misto de revolta, insegurança e abandono.
Afinal, o país que há poucos anos abria os braços e sorria para os brasileiros agora parece querer distância. E mais: quer que voltem ao Brasil para bater à porta outra vez, mas com visto na mão, currículo impecável e, preferencialmente, sem parentes dependentes.
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A medida mais drástica não deixa margem para dúvidas. O reagrupamento familiar, direito até então assegurado para cônjuges e filhos, será profundamente alterado. A nova regra estabelece que o cônjuge só poderá ser reagrupado após dois anos da concessão da primeira autorização de residência ao titular. E o mais grave: esse pedido só poderá ser feito por via consular, ou seja, o cônjuge deverá permanecer no país de origem, longe da família, até conseguir o visto. Nada de reagrupamento “em solo português”, como era feito até agora.
E para quem acha que isso é apenas uma questão de paciência, vale lembrar que o prazo de análise do pedido também foi ampliado. Agora, serão até nove meses de espera, isso depois dos dois anos iniciais. Uma espera institucionalizada que transforma casamentos e uniões estáveis em laços diplomáticos à distância.
Se isso já não fosse suficiente, outra porta está prestes a ser trancada. O Parlamento aprovou a revogação do artigo 87.º-A, que permitia a regularização de cidadãos da CPLP, especialmente brasileiros, mesmo após entrada como turista. Era o último caminho possível após o fim da manifestação de interesse em junho de 2024.
Vale dizer que o 87.º-A sempre foi um artigo fantasma. Ele existe na lei, está em vigor, mas a AIMA nunca criou qualquer mecanismo prático para que os brasileiros pudessem usá-lo. Os únicos casos de sucesso foram obtidos por via judicial. Os tribunais portugueses, cumprindo o que está escrito na própria lei, vêm reconhecendo esse direito. E agora, quando o dispositivo finalmente começava a se afirmar, o governo decide enterrá-lo.
Essas alterações não surgem isoladas. Portugal segue a cartilha de outros países europeus, endurecendo leis migratórias, cedendo à pressão de discursos xenófobos e buscando mostrar força às custas de quem tem menos voz. O problema é que, nesse processo, o país parece esquecer que precisa dos imigrantes para manter a economia em funcionamento.
Pontos para reflexão:
• O Estado pode impor dois anos de separação conjugal e exigir retorno ao país de origem para obtenção de visto sem violar o princípio da vida familiar?
• A revogação de um artigo que sequer foi implementado é juridicamente legítima ou apenas uma forma de eliminar um direito incômodo?
• Como compatibilizar essas medidas com a Convenção Europeia dos Direitos Humanos e a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, ambas ratificadas por Portugal?
• Ao invés de combater a imigração irregular, o Estado não estaria a fomentá-la, ao fechar todos os canais legais e acessíveis?
A verdade é que Portugal ainda não trancou a porta, mas já colocou o trinco, dobrou a corrente e está com a mão na chave. Quem quiser entrar, prepare-se para pular o muro da burocracia. Quem já está dentro, talvez tenha que sair para bater de novo.
Por outro lado, a própria burocracia e a ineficiência do Estado português — com órgãos públicos sem estrutura, prazos que não se cumprem e sistemas que não funcionam — têm cada vez menos a oferecer, mesmo a quem ainda insiste em entrar pela porta da frente.
*André Lima, Advogado, inscrito nas Ordens dos Advogados de Portugal e do Brasil, pósgraduado em Finanças, Reestruturação e Contencioso Corporativo pela Universidade Católica Portuguesa, e pós-graduando em Direito Internacional, Imigração & Migração pela EBPÓS. É mentor dedicado de advogados em ascensão e membro ativo de diversas associações jurídicas, incluindo o IBDESC, ABRINTER e ABA, que destacam o seu compromisso com a internacionalização do direito e a sua contribuição para a comunidade jurídica internacional.