Vulnerabilidades ou um mundo diferente?

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Entre a vertigem efémera do dia-a-dia e as declarações tonitruantes que de substancial têm muito pouco, os últimos dias foram pródigos em notícias que evidenciam vulnerabilidades várias, mas, simultaneamente, nos interpelam para um novo mundo que parece já ter chegado.

Andávamos nós a encher o país de autocarros, que não fabricamos nem produzimos, quando a Noruega veio dizer que nalguns desses autocarros o fabricante tinha instalado um sistema de controlo remoto. Claro que a primeira explicação para o facto foi bastante prosaica. O sistema visava identificar eventuais avarias. Acontece que, bem vistas as coisas, o fabricante acabou por reconhecer que o sistema permitia parar remotamente os veículos ou impedi-los de funcionar.

Ainda estávamos a tentar perceber a modernidade dos autocarros comandados à distância, quando nos assalta a notícia de que a ancestral relação entre Portugal e o Brasil terá sido aproveitada para, num longo e pensado processo, converter espiões russos em portugueses de nacionalidade originária. Porventura inspirados na política de sigilo que dominou os descobrimentos portugueses…

Entre Franciscos, Pereiras ou Camilos, quantos “portugueses” andarão, a mando de Putin, a entregar documentos nos nossos Consulados para nos poderem conhecer melhor?

E ainda andávamos a pensar se não teríamos algum primo afastado que afinal é russo, quando as autoridades polacas identificaram um casal de russos que, exilados políticos na Polónia por serem perseguidos na Rússia, eram, afinal, espiões russos.

Este ocidente vulnerável em que vivemos parece que não percebe, ou não quer perceber, ou alguém não quer que nós percebamos, que o mundo é hoje diferente.

E fica sempre a sensação, no cidadão comum mais atento, que não lhe estarão a dizer tudo.

É assim que mais ou menos do nada, e numa entrevista de um gestor público, ficámos a saber que Sines vai, afinal, ter um cais com capacidade militar. Diz candidamente o gestor que terá capacidade civil e militar. A falta que faz o serviço militar obrigatório...

Curiosamente ficámos a saber da construção desta capacidade na mesma semana em que, pelo menos parcialmente, a operação Influencer foi “arquivada” com a festiva inauguração do data center de Sines.

Portugal, tal como o resto do mundo, parece estar confrontado com novos desafios, novos perigos, novas ameaças e novas oportunidades, e fica-se com a estranha sensação de que tudo está a acontecer e os cidadãos são mantidos numa certa ignorância.

Como vários episódios da história da humanidade demonstram, não se ganham guerras sem mobilizar o povo.

Não há cidadania na ignorância e não há legitimidade quando todos não participamos em condições de igualdade.

Talvez por isso, o exercício do poder, de qualquer poder, é hoje mais exigente com os seus titulares do que era outrora.

Advogado e gestor

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