Ventura chamou “calões” aos portugueses e ninguém se preocupou

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O Portugal político passou uma grande parte dos últimos dias a gastar o seu tempo de antena com mais uma frase spin  da autoria do líder do Chega. Por muito que todos critiquem André Ventura, a verdade é que este tem conseguido que praticamente só se fale dos seus discursos, dos seus soundbites, e muito pouco do que, quase de certeza, interessa aos portugueses que ainda seguem a atualidade política - que são cada vez menos…

O caso mais recente foi motivado por uma frase do presidente do terceiro maior partido nacional que, numa intervenção sobre o futuro novo aeroporto de Lisboa, se referiu aos cidadãos chineses, albaneses e turcos. Em relação a estes últimos frisou, depois de questionar o facto de Portugal ter previsto dez anos para a construção da infraestrutura aeroportuária em Alcochete, que “o aeroporto de Istambul foi construído e operacionalizado em cinco anos, os turcos não são propriamente conhecidos por ser o povo mais trabalhador do mundo”.

E foi aqui que os deputados se insurgiram contra o orador, sublinhando que este não pode - e isso é verdade - ofender outros povos, chegando até a deputada do PS Alexandra Leitão a questionar o presidente da Assembleia da República sobre se um deputado pode dizer que “uma determinada raça ou etnia é mais burra e preguiçosa”. Ao que José Pedro Aguiar-Branco responder: “No meu entender pode. A liberdade de expressão está constitucionalmente consagrada.”

A partir daqui foram surgindo mais e mais teses sobre o que pode ou não um deputado dizer a/ofender qualquer pessoa. Houve logo quem recordasse que estes têm imunidade exatamente para poderem falar sem autocensura - mas ninguém lembrou que essa imunidade pode ser levantada a pedido das entidades competentes e autorizada pelo Parlamento - e perante tanto barulho o presidente da AR acabou a sugerir um “voto de rejeição” contra discursos de ódio. Ideia que os partidos da esquerda parlamentar recusaram.

Relembrado o caso, ficam dois alertas para questões que deviam preocupar bastantes os deputados. Primeiro: os partidos da esquerda usaram os meios mediáticos para se insurgir - e bem - contra a triste frase, mas deixaram passar um ponto essencial: se os turcos são preguiçosos por fazerem um aeroporto em cinco anos, o que são os portugueses que esperam demorar dez a construir o aeroporto já batizado como Luís de Camões?

Não deviam usar algum desse tempo para pedir explicações ao autor da frase sobre o que ele acha dos compatriotas? Ou será que não se considera português, pois no fim de semana esteve em Madrid a discursar em castelhano quando pelo menos um dos oradores convidados - Marine Le Pen - falou no seu idioma?

Se os turcos são “preguiçosos”, como “cataloga” o presidente do terceiro partido mais votado nas Legislativas, os portugueses, nomeadamente aquele 1 169 836 que votou no seu projeto?

Destes dias de preocupação com a liberdade de expressão e se esta deve ter limites - uma discussão perigosa e que nem devia existir, julgo eu -, a realidade é que inúmeras questões que dizem respeito ao dia a dia dos portugueses (preguiçosos ou não) não fizeram parte do discursos da Esquerda.

Segundo: Não seria importante questionar o Governo sobre a Escola Pública - a falta de professores, as escolas não terem condições tecnológicas para evoluir e a falta de funcionários operacionais -; o Sistema Nacional de Saúde, em que o principal objetivo nos últimos dias foi criar programas de contingência para acudir à falta de médicos, enfermeiros e funcionários que vai agudizar-se no verão; os problemas na Justiça, etc.?

Mas, não, o que se passou foi que se decidiu dar palco a um partido que aproveita cada momento para dominar a agenda política. E, pelo que se tem visto, com muito sucesso.

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