Vem aí mais uma comissão de inquérito

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O Chega e o Bloco de Esquerda querem a realização de uma comissão parlamentar de inquérito aos incêndios florestais deste verão, para tentar apurar se a resposta das autoridades está a ser adequada. São iniciativas que merecem ser devidamente ponderadas, pela gravidade da situação. Mas servirão para que alguma coisa realmente mude? E ficaremos realmente mais esclarecidos? Temos razões mais do que suficientes para duvidar disso.

Em primeiro lugar, as causas dos fogos há muito que estão identificadas. E as medidas para os prevenir também. Precisamos de gerir a floresta de forma racional, reorganizar o território, reforçar a vigilância (incluindo dos próprios incendiários conhecidos) e explorar este recurso de forma racional, porque quando existe viabilidade económica torna-se muito mais fácil prevenir os incêndios. Uma floresta bem gerida, com donos conhecidos, com uma gestão profissional que faça um aproveitamento racional dos recursos, de maneira a que não se acumule biomassa durante anos a fio, até chegar o próximo incêndio. O Parlamento não precisa de uma comissão de inquérito para debater estes temas, escrutinar a atuação do Governo e aprovar as leis necessárias para que se reduza ao mínimo o risco de fogos florestais. Diria mesmo que os principais partidos já deveriam estar a preparar e a debater essas medidas, em vez de andarem ocupados com discussões estéreis.

Em segundo lugar, as comissões parlamentares não deveriam ser banalizadas, sob pena de perderem importância até do ponto de vista noticioso, podendo inclusive contribuir para minar a imagem da classe política aos olhos dos eleitores. Há coisas que, por serem demasiado sérias, apenas se devem utilizar com cautela e na medida certa. Uma comissão parlamentar de inquérito deveria ser uma dessas coisas. De resto, se existirem falhas no combate aos fogos, o Estado tem instrumentos à sua disposição para apurar essas situações.

Dito isto, vários dos argumentos utilizados para fundamentar os pedidos de realização de uma comissão de inquérito merecem ser analisados. A existência de fogos florestais que deflagram durante noite aponta claramente para mão criminosa. A menos que todos os incendiários sejam pirómanos, isto dever-se-á a interesses económicos que, de alguma forma, ganham com os fogos.

Por outro lado, todos percebemos que algo não está bem quando um número significativo de aviões de combate aos incêndios estão em reparações no início da época dos incêndios, precisamente no momento em que mais são necessários.

Este tipo de falhas poderão não justificar a realização de uma comissão parlamentar de inquérito, mas devem ser investigadas por quem de direito e apuradas responsabilidades.

P.S.: Não se tem falado muito no papel das autarquias na prevenção e no combate aos incêndios. As câmaras municipais e as juntas de freguesia são fundamentais no que diz respeito à limpeza dos terrenos e à abertura de aceiros e caminhos florestais. O que pode ser feito, envolvendo as autarquias, para que a limpeza dos terrenos seja realmente feita e para que se tomem outras medidas de prevenção? Como é que é possível, oito anos depois do drama de Pedrógão Grande (que voltou a arder por estes dias), que ainda tenhamos matas a poucos metros de habitações?

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