Vamos fazer contas?

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Portugal parece ter, desde tempos ancestrais, alguma aversão a fazer contas. Ou, pelo menos, a considerar dados quantitativos para formular políticas.

Mas, informação nunca prejudicou o rigor e este é essencial para saber em que ponto nos encontramos e para onde caminhamos.

Bem sei que é mais fácil cavalgar as novas do momento. Seja o entusiasmo que momentâneas notícias nos trazem, seja a depressão que a realidade nos induz. Entre a “economia do ano”, os dois milhões de pobres que sabemos ter e os sem abrigo que vemos nas nossas cidades, vai toda uma distância que a ciência económica poderá explicar mas que a cidadania terá dificuldade em assumir.

A IA diz-nos que o PIB mede o valor total de todos os bens e serviços produzidos por um país num determinado período. No caso português estaremos a falar de 290.000 milhões de euros por ano.

Deixo à reflexão dos leitores os seguintes dados quantitativos:

- O endividamento das administrações públicas, empresas e particulares, é, segundo o Banco de Portugal, de 848.200 milhões de euros, i.e., três vezes o PIB.

Mas,

- Os créditos da Segurança Social devidos e não cobrados ascendem a 17.000 milhões de euros.

- Os créditos fiscais devidos e não cobrados ascendem a 27.000 milhões de euros.

- A despesa fiscal anual será de cerca de 20.000 milhões de euros.

- O valor total dos processos pendentes nos Tribunais Administrativos e Fiscais, com valor superior a um milhão de euros, atingiam, em 2024, cerca de 19 mil milhões de euros.

- A economia paralela em Portugal tem valores variáveis, mas, estudos credíveis apontam para cerca de 35% do PIB, ou seja, cerca de 100.000 milhões de euros. Admitindo que esta economia paralela geraria, modestamente, 25% de receita fiscal, estaríamos a falar de 25.000 milhões de euros de receita fiscal.

E assim, de forma bastante empírica, ainda que de fácil compreensão, poderemos dizer que “anda por aí” cerca de um terço do PIB que o Estado não consegue cobrar nem se vislumbra se e quando o conseguirá fazer.

Não seremos um país rico, mas de perdulários…

Se cobradas, estas dívidas permitiriam reduzir a dívida publica em cerca de um terço.

Sabemos que, em 2015, o governo de então se comprometeu à “racionalização do Estado, crucial na modernização e optimização do funcionamento da Administração Pública e na melhoria da qualidade dos serviços públicos prestados”.

E também sabemos que, de forma tonitruante, em 2025, o governo nos disse que “iria declarar guerra à burocracia, tirando partido das potencialidades tecnológicas. A digitalização, incluindo o uso de inteligência artificial, deve ser acelerada, assegurando a interoperabilidade de sistemas e o fluxo automático de informação entre serviços (como entre AT e Segurança Social), para reduzir erros, pedidos repetidos e custos de contexto.”

Entre reformas que não acontecem e declarações que de pouco valem os cidadãos viveriam melhor se o Estado fosse capaz de cobrar as dividas aos caloteiros, de diminuir a economia paralela e de fazer com que os tribunais funcionem. Não será muita ambição, nem sequer uma ambição de “encher o olho”. Mas seria certamente muito relevante para quem, honradamente, paga os seus impostos.

Mais eficiência e eficácia precisam-se. Também para dar força à democracia.

Advogado e gestor

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