Uma questão de estilo

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"É muito conhecida e citada a carta do Padre António Vieira dirigida ao rei de Portugal que assim termina: ‘Perdoe-me Vossa Alteza a extensão desta carta, mas é que não tive tempo de fazer uma menor’.”

O Diário de Notícias entendeu (e bem) reduzir para 2700 carateres os artigos de opinião dos seus cronistas. De facto (e penso nas minhas crónicas), por vezes estendemos os textos para além dos limites por falta de tempo para as tornarmos mais enxutas e, muito provavelmente, mais eficazes. Quando tudo acelerou, incluindo a capacidade de atravessar muitas linhas de texto, nada como fixarmo-nos no objetivo “vamos ao que importa”, embora seja também necessário argumentar para não nos ficarmos no pecadilho tão abundante “acho que”, sem justificação, nem pensamento prospetivo.

A concisão que nos propõem poderia remontar aos tratados de eloquência e arte oratória de Marco Túlio Cícero (106-43 a.C.), mas ganhou expressão a partir de meados do século passado com o conceito de Linguagem Clara (ou Linguagem Simples, na versão brasileira). Depois de décadas de recomendações aos serviços federais norte-americanos, o presidente Barack Obama assinou em 2010 uma orientação geral - Plain Writing Act - que determina a utilização de linguagem simples ou clara. E, afinal, o que é isto? Quantas vezes os cidadãos veem ameaçados os seus direitos por não compreenderem documentos oficiais - tão elaborados nos seus argumentos que obrigam a várias leituras e, ainda assim, muitas dúvidas.

A Linguagem Clara consiste (tão só) em adotar um estilo de redação simples e eficiente que permita compreender com facilidade o que está escrito. Trata-se de uma técnica que é (e deve ser) cada vez mais seguida nas Administrações Públicas de forma a garantir o direito de os cidadãos a uma efetiva informação. Uma das áreas mais sensíveis é da Justiça e, por isso, em vários países vêm sendo desenvolvidos projetos de colaboração entre universidades e estruturas judiciais (com grande destaque para os tribunais) de forma a alcançar o direito de todas e todos a entender a informação jurídica.

Refiro, como exemplo, a Cátedra da Universidade de Barcelona de Comunicação Clara Aplicada às Administrações Públicas, que trabalha de forma articulada com os serviços públicos de várias regiões em Espanha.

Em Portugal, destaco o trabalho da Agência para a Modernização Administrativa - AMA, que disponibiliza recursos simples para alcançar esse objetivo de cidadania.

Contudo, estamos longe de uma consciência generalizada por parte dos responsáveis dos diversos setores da administração, sobretudo, os mais sensíveis, como a área da Justiça. Também para isto serve a cooperação, aprendendo e partilhando boas experiências.

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