Uma questão de credibilidade

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Vou insistir no assunto das anomalias em torno das provas finais de 9.º ano porque, ao contrário de quem aproveita todos os episódios para desacreditar a avaliação externa e tentar acabar com as provas de final de ciclo e os exames nacionais, eu gostaria que eles ficassem acima destas peripécias e que, mesmo com as imperfeições que acontecem sempre nestes processos, fossem o mais livres de suspeitas que é possível. Porque só isso credibiliza e permite melhorar o nosso sistema educativo e em especial uma escola pública de massas que não se baseie na retórica fantasiosa de uma inclusão por decreto.

Não partilho da animosidade extrema, de base ideológica ou traumática, em relação a tudo o que certas análises simplistas agregam sob o termo “exames”. Aliás, contra uma ampla maioria de opiniões, incluindo de colegas de profissão, acho que é possível a tal escola pública de massas com qualidade e isso implica a existência de mecanismos de regulação externa, que não passem por aferições mais ou menos cosméticas como a que foi criada desde 2015.

Voltando aos problemas que aconteceram com as provas do 9.º ano, sei que muita gente os vai relativizar, mas só com transparência se consegue credibilidade e, até agora, ela tem faltado. A começar pelo funcionamento do JNE. É mistificador querer convencer-nos de que foi tudo residual. Houve mais problemas e só os identificando com clareza é possível resolvê-los. Deixar tudo na opacidade dos circuitos internos do JNE/MECI é meio caminho andado para se repetirem, com os habituais métodos de desresponsabilização: a culpa foi das escolas que não digitalizaram bem as provas, dos classificadores que não fizeram o seu trabalho a tempo, de alguns agrupamentos de exames que divulgaram prematuramente os resultados. Só que não estamos na idade da pedra e as pessoas falam entre si e percebe-se que existiram situações graves, mesmo se não deixaram rasto documental. A questão mais óbvia é perceber com que critérios (e quantos) foram escolhidos os professores classificadores e que trabalho lhes foi exigido inicialmente. Mas também quando se percebeu que as coisas estavam a correr mal e quem (e quando) autorizou os telefonemas a recrutar classificadores adicionais e quais foram ao certo as compensações financeiras oferecidas.

Não precisam identificar agrupamentos de exames ou escolas, mas ao menos dar uma ideia da dimensão e distribuição das “anomalias”. Não precisam identificar pessoas, mas os fluxos de tomada de decisão. Não diferir isso para averiguações que chegam tarde e com conclusões sem qualquer tipo de efeito prático. Para que não se continue a assistir à erosão da credibilidade do sistema público de ensino que deveria ser a matriz da qualidade em Portugal e não o seu reverso. Claro que há as excepções, que fazem com que a norma se destaque ainda mais.

Professor do Ensino Básico.

Escreve sem aplicação do novo Acordo Ortográfico

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