Uma lei “para inglês ver”?
Em 2011, o Governo PSD-CDS, presidido por Passos Coelho, propôs e fez aprovar na Assembleia da República um novo sistema para a seleção e nomeação dos dirigentes da Administração Pública, criando a Comissão de Recrutamento e Seleção, conhecida por CReSAP.
O seu objetivo principal era o de garantir a valorização do mérito, a transparência e a imparcialidade nos processos de recrutamento e seleção. Os dirigentes passaram a ser escolhidos por concurso, afastando a livre escolha política, e nomeados por 5 anos, de modo que o seu mandato não coincidisse com o período de uma legislatura. Cada Governo executaria as suas políticas com os dirigentes da Administração Pública que encontrasse em funções e não com os que escolhesse da sua confiança política.
Tal não significaria que esses dirigentes gozassem de uma independência semelhante aos que presidem às “autoridades administrativas independentes”, como a Anacom ou a ERSE. Cabe sempre a cada Governo dirigir a Administração Pública direta e superintender na administração indireta (institutos públicos), o que lhe permite imprimir a sua marca política e estabelecer as suas prioridades, mediante instruções e orientações ministeriais.
É um modelo semelhante ao que existe em alguns países do Norte da Europa, onde até nos gabinetes governamentais, incluindo o do primeiro-ministro, a escolha política é limitada a muitos poucos colaboradores.
Não é, contudo, o modelo existente em outras democracias, como por exemplo os EUA. Dentro de algumas semanas, com a posse de um novo presidente, mudam quase todos os cargos de direção da Administração Federal.
Entre nós, o regime de 2011 sempre suscitou alguns problemas na sua aplicação, mas sem pôr em causa o seu fundamento. Todavia, considerando o grande número de dirigentes que já foram demitidos, substituídos ou não-reconduzidos pelo atual Governo, tornando regra o que devia ser exceção (a “falta de perfil do dirigente para executar a política pretendida”), incluindo alguns casos patentemente infundados, como o do ex-presidente do INE, cuja competência técnica e independência era indiscutível, talvez esteja na hora de avaliar a sério e eventualmente rever o regime da Lei 64/2011 e as funções da CReSAP.
Se assim não for, por este andar, ficaremos com um regime na lei que nada tem a ver com a realidade político-administrativa, uma “lei semântica”. Enfim, uma CReSAP apenas viva para “inglês ver”!
PS - A propósito de dirigentes da Administração Pública, concordo que é bom trazer os melhores para exercer essas funções, mas discordo totalmente que se pague mais a um secretário-geral do Governo, seja lá isso o que for, do que ao primeiro-ministro. É ainda mais importante que sejamos capazes de atrair os melhores para os cargos Governamentais.
Ex-deputada ao Parlamento Europeu