Uma enorme Vila Nova da Rabona 

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Basta uma pesquisa rápida no Google para que se tenha um vislumbre do “flagelo”. Primeiro título que salta à vista, o de uma notícia da Lusa publicada pelo Expresso a 8 de dezembro de 2024: “A um ano de autárquicas, câmaras aumentaram gastos com iluminações de Natal”. Contas por alto, com base nos valores que constam da notícia – já que mais não permite a transparência das ditas autarquias -, terão sido mais de dez milhões de euros despendidos por 13 executivos de capitais de distrito, pelo dos Açores e pelo da Madeira. Imaginemos quanto terá sido desperdiçado, no total, em lâmpadas e afins pelas tão frugais 308 autarquias do continente e das regiões autónomas. 

Segunda parangona elucidativa, esta no Público, de 29 de dezembro de 2024: “Gastos na passagem de ano: dos vários milhares no continente ao milhão na Madeira”. Só em fogos-de-artifício e concertos um punhado de edilidades retirou mais de cinco milhões de euros dos bolsos dos contribuintes.   

Prossigamos para o terceiro título esclarecedor, desta feita no Eco, a 1 de março: “Municípios aumentam gastos com Carnaval em ano de eleições autárquicas”. Tratando-se do entrudo, e assumindo que a folia gera retorno para quem a acolhe, ninguém levou a mal que meia dúzia de autarquias tenham consumido mais de cinco milhões de euros dos em investimentos estratégicos em imitações pechisbeque do Carnaval do Rio de Janeiro. 

Mais um clique, mais um mimo editorial: “Autarquias gastaram 18 milhões em concertos nos últimos três meses”. Observador, a 6 de julho deste ano, tendo como referência os dados que o portal da contratação pública, o Base, nos permite conhecer. 

Para não maçar o leitor, termino o exercício com uma notícia de ontem do Expresso: “Municípios gastam mais 32% em concertos em ano eleitoral”. Graças ao artigo, constata-se que a fatura que resulta da alma festeira dos nossos autarcas, em especial durante o “querido mês de agosto”, é ainda maior em ano de eleições. 

Nada disto será obra do acaso. Se é certo que os autarcas são quem melhor conhece os problemas concretos de quem os elege, não é menos verdade que são quem mais percebe as suas “taras e manias” (para continuarmos no domínio da música popular) e também os mais metódicos executantes da máxima de que “com papas e bolos se enganam os tolos”. 

A breve compilação de notícias será, por certo, uma gota no oceano. Uma análise mais fina, e com dados rigorosos, permitir-nos-ia identificar dezenas e dezenas de milhões de euros que voam dos cofres do Estado (das nossas carteiras, aliás), sobretudo em anos em que os eleitores vão renovar os seus votos para o poder local.  

Um estudo de 2006, conduzido por dois economistas do ISEG, António Afonso e Sónia Fernandes, estimou que se os 278 municípios de Portugal continental conseguissem atingir um desempenho igual ao das autarquias mais eficientes poderiam prover os mesmo serviços à população com orçamentos 43% inferiores. Não tenhamos dúvidas: não temos só municípios a mais, temos um excesso de autarcas que, para lá da compra do poder, não sabem o que fazer ao nosso dinheiro. 

Entre a iluminação natalícia apoplética, os glúteos carnavalescos mal esculpidos e umas cervejas refrescantes enquanto se ouve o artista popular na festa da aldeia, ninguém tem pachorra para pensar em estradas esburacas, escolas em que chove, centros de saúde caóticos ou habitação pública de proporções risíveis. Portugal não é muito diferente da Vila Nova da Rabona que os Gato Fedorento imaginaram. E já pareceu bem menos plausível que elegêssemos alguém que prometa alcatifar-nos as vilas todas. 

 Consultor de comunicação

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