Uma cadeirada nas audiências
Na batalha pelas audiências de televisão no Brasil temos, de um lado, a filha de um sambista, um funkeiro autor do hit Vai Malandra, dois ex-jurados de dois concursos bregas de televisão, um ator que interpretava um bombeiro noutro programa brega de TV, um ex-companheiro de clube de Neymar, uma ex-namorada de Neymar, um fisioculturista que provocou a separação entre um cantor e uma rainha de bateria de escola de samba, dois ex-participantes de reality shows, uma ex-namorada de um ex-participante de reality show, a irmã de um ex-participante de reality show e um vocalista de uma banda desaparecida nos Anos 80.
E, do outro, temos uma atriz da TV Globo de quem já ninguém se lembra, um outro ex-ator do mesmo canal acabado de sair de uma clínica de reabilitação para toxicodependentes, mais um ex-ator que hoje vende sanduíches na praia, o irmão desbocado de um ator de TV, um ex-ator pornográfico, um apresentador de programas de crime, um ex-marido de uma apresentadora que após o divórcio se tornou a voz dos direitos dos homens maltratados pelas mulheres, um coach que esteve preso por roubar um banco online, dois ex-participantes de reality shows, uma ex-mulher de um cantor sertanejo e a mãe de um rapper.
O primeiro grupo integra o elenco da 16.ª edição de A Fazenda, reality show da TV Record, emissora controlada pela IURD, conhecido por abrigar subcelebridades.
O segundo grupo integra a lista de candidatos às Eleições Municipais de 6 de outubro, um evento também conhecido por abrigar subcelebridades desde, pelo menos, 1959, quando a candidata Cacareco, uma rinoceronte do Zoológico de São Paulo, recebeu cerca de 100 mil votos para vereadora da cidade.
A diferença é que em A Fazenda, programa pensado milimetricamente para gerar tumulto entre os participantes, o máximo que se viu até agora foi uma troca de insultos entre o bombeiro e o fisioculturista.
Já na corrida eleitoral, pelo contrário, num debate na insuspeita TV Cultura, domingo, dia 15, o coach ladrão provocou o apresentador de programas de crime e acabou a levar uma cadeirada do rival.
Pablo Marçal, o coach, agora compara a luxação no dedo que a cadeirada lhe provocou à facada na barriga e ao tiro na orelha que Jair Bolsonaro e Donald Trump sofreram em 2018 e 2024, respetivamente. José Luiz Datena, o apresentador de programas de crime, já disse que não se arrepende. Na internet, o valor da cadeira subiu a valores estratosféricos.
Para capitalizar audiências, o canal Rede TV, que hospedou o debate seguinte, fotografou os funcionários a aparafusar as cadeiras dos candidatos ao chão, não fosse o diabo, ou Datena, tecê-las.
Entretanto, com a Rede TV e mesmo a circunspecta TV Cultura a faturarem graças aos debates, a Record a apimentar A Fazenda e a Globo sempre poderosa na liderança, quem se aflige é Ratinho, cujo programa de trash TV no concorrente SBT tombou nas audiências. Vai daí já convidou Marçal e Datena para continuarem o “debate” no seu programa.
E eles equacionam participar, porque lixo televisivo e lixo político estão, como se viu, umbilicalmente conectados no Brasil - tanto que um dos pré-candidatos a presidente em 2026 no lugar do inelegível Bolsonaro é o atual governador do Paraná, o respeitável Ratinho Júnior, filho daquele apresentador.