Um tema central omisso
Importa reconhecer que os últimos governos portugueses têm vindo a erigir em preocupação cimeira uma gestão rigorosa das Finanças Públicas, procurando-se reduzir o rácio Dívida Pública/PIB, evitando-se os défices orçamentais e conseguindo-se, inclusive, obter excedentes, numa demonstração clara de que se pretende adoptar uma postura responsável em relação ao futuro das Contas Públicas.
Tal constitui uma viragem positiva no comportamento dos últimos executivos, sendo, todavia, certo que nos encontramos confrontados com uma conjuntura difícil, a qual poderá vir a implicar escolhas complexas a realizar no futuro.
Não se trata, apenas, da conjuntura económica europeia, a qual aponta para um crescimento rastejante no ano corrente e em 2026.
As previsões para a taxa de crescimento da economia portuguesa permitem, ainda assim, antever um crescimento superior à média das economias da área do euro ou do conjunto da UE.
Trata-se, isso sim, do facto de os países da UE precisarem de aumentar substancialmente as suas despesas na Defesa e na Segurança, havendo sobre esta matéria um amplo consenso na Europa.
Fala-se, inclusive, num esforço de reindustrialização do sector da Defesa na Europa.
E não faz sentido que Portugal se alheie da indispensabilidade de realização desse esforço.
Estamos a falar em aumentar as despesas com a área da Defesa e da Segurança para o patamar dos 2% do PIB a curto prazo, devendo, ainda, proceder ao seu incremento em 1 a 1,5% do PIB nos próximos 2 ou 3 anos.
Tais ajustamentos serão sempre necessários, mesmo que venha a ser acordado um Cessar-Fogo ou um Armistício na Ucrânia, no decorrer do próximo ano, uma vez que um acordo dessa natureza corresponderá sempre a uma solução transitória e débil que poderá estar na origem de um novo conflito entre a Federação Russa e os países da Europa Democrática e alguns países aliados.
Tal significa que estamos “condenados” a realizar um esforço de investimento na área da Defesa como já não fazíamos desde a guerra colonial (embora não, necessariamente, com a mesma intensidade crítica).
É sabido que os critérios de convergência nominal serão agilizados e que poderá haver algum apoio europeu, mas o esforço relativo ao incremento para os 2% do PIB já e a um acréscimo adicional de 1 a 1,5% a prazo de dois ou três anos será sempre inevitável.
E não conviria que tal sucedesse à custa de uma tendência de inversão radical da situação existente nas nossas Finanças Públicas.
Ora, para que tal seja possível será sempre necessário introduzir alguns ajustamentos na despesa pública para certos sectores, ajustamentos esses que terão, em qualquer caso, algumas implicações.
É sabido que quando se trata de racionalizar a despesa pública em determinadas áreas para acudir a acréscimos das despesas noutras ou se recorre a reduções nas despesas correntes ou, em alternativa, nas despesas de capital.
Nas despesas correntes, existe alguma rigidez nos salários e vencimentos da função Pública, nos subsídios pagos às famílias e nos encargos com a dívida pública (neste último caso, porque a sua evolução não depende directamente da gestão governamental).
Por outro lado, os sectores mais relevantes da despesa pública corrente são os da Saúde e da Educação, sectores aos quais a opinião pública se apresenta particularmente sensível, havendo, ainda, uma área carente de reforço orçamental, a saber, a da Habitação.
Será possível não reduzir drasticamente as verbas orçamentais previstas para estes sectores, mas, também, não será fácil reforçá-las.
Paralelamente, não será certo que os fluxos imigratórios permitam continuar a assegurar uma situação confortável no domínio da segurança social.
É claro que existirá sempre a alternativa de se reduzir o investimento público (em áreas não ligadas à Defesa e Segurança), mas com consequências negativas em termos de aproveitamento de alguns fundos comunitários e de potencial estagnação da capacidade produtiva instalada no nosso País.
Do que se disse, vai ser sempre necessário introduzir alguns ajustamentos na despesa corrente, porventura de forma gradual e não particularmente intensa, mas tal deverá ser devidamente programado e explicado aos cidadãos portugueses.
De nada valerá andar-se a evitar falar no problema, deixando-se para mais tarde os esclarecimentos necessários, quando se sabe que a opinião pública tem preferência pelo discurso sério e transparente.
Sem alarmes e com sentido das responsabilidades.
E, sobretudo, com a coragem que distingue os estadistas dos meros políticos de ocasião.
Nem mais, nem menos…
Economista e professor universitário
Escreve sem aplicação do novo Acordo Ortográfico