Um rei face aos destroços do seu império
O rei Carlos III e a rainha Camila podem ter tido direito a passadeira vermelha à chegada a Samoa, com a banda da polícia real local a tocar na receção ao monarca, mas nem tudo o que se passou na cimeira da Commonwealth que a pequena ilha do Pacífico recebe terá sido música para os ouvidos do rei de Inglaterra, que, pela primeira vez desde que chegou ao trono, preside a este evento que junta 56 países, 15 dos quais ele é o chefe de Estado.
Fundada há 75 anos, sobre o que restava do império britânico, a Commonwealth moderna teve em Isabel II uma força unificadora. A rainha, que subiu ao trono em 1952, ainda princesa pronunciava na África do Sul um discurso em que se comprometia a dedicar a vida ao serviço da Commonwealth. “Declaro diante vós que toda a minha vida, seja longa ou curta, será dedicada a servir-vos e a servir a grande família imperial a que todos pertencemos”, afirmava.
Ora seria mesmo longa a vida de Isabel II, que morreu em setembro de 2022, aos 96 anos. Sucedeu-lhe o filho Carlos, o III de seu nome. Mas, aos 75 anos, o monarca não tem nem o apelo nem o carisma da mãe. Nem mesmo a saúde que esta mostrou quase até ao fim, tendo tido de interromper o tratamento ao cancro a que está a ser submetido durante a visita que empreendeu à Austrália e Samoa.
Mas se o Reino Unido não só se faz representar pelo rei como também pelo primeiro-ministro, Keir Starmer, são notórias as ausências de peso nesta cimeira da Commonwealth. Do primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, ao presidente sul-africano, Cyril Ramaphosa, passando pelo chefe de Governo canadiano, Justin Trudeau.
Depois de Barbados se ter tornado república em 2021, a Jamaica deve ser o próximo membro da Commonwealth a dar esse passo. E a visita de Carlos III voltou a abrir o debate na Austrália, onde o monarca foi confrontado com a ira de uma senadora indígena que após gritar “não é o meu rei”, exigiu: “Devolvam-nos o que nos roubaram - os nossos ossos, os nossos crânios, os nossos bebés, o nosso povo”.
A questão das reparações históricas também assombra a cimeira da Commonwealth com uma primeira versão do comunicado final, a que a BBC teve acesso, a insistir na necessidade de “uma discussão sobre o tráfico de escravos”, apesar de Londres afirmar que o tópico não está na agenda.
Ninguém verdadeiramente acredita que o Reino Unido vá pagar reparações que, segundo um juiz da ONU, poderiam chegar aos 18 biliões de libras. Mas o que parece certo é que a ideia de que, depois do Brexit, a Commonwealth - 2,5 mil milhões de pessoas com um PIB que em 2027 deverá chegar aos 19,5 biliões - podia ter nova importância no comércio e investimento britânico não parece garantida.
Sem uma figura como a de Isabel II para o unir, é difícil sacudir a sensação de estarmos a ver o sol a pôr-se sobre os destroços do império onde o sol nunca se punha.
Editora executiva do Diário de Notícias