Um quarto de século

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Encostei-me

“Encostei-me para trás na cadeira de convés e fechei os olhos, E o meu destino apareceu-me na alma como um precipício. A minha vida passada misturou-se com a futura, E houve no meio um ruído do salão de fumo, Onde, aos meus ouvidos, acabara a partida de xadrez.”

Álvaro de Campos, in “Poemas”

Dei por mim a pensar que, por esta altura do ano, se completa um quarto de século de vinte seis anos desde que conheço o Eng.º António Mota.

Conhecemo-nos, como tanta vez acontece, nas formalidades a que a vida nos obriga e, porque não dizê-lo, gostosamente nos proporciona.

Quiseram as nossas agendas que, pouco tempo depois desse primeiro contacto, tivéssemos, por iniciativa minha, uma matutina reunião em Lisboa.

O Eng.º António Mota chegou, a pedir desculpa por um ligeiro atraso, e disse-me: “desculpe o atraso. Estou aqui quase sem dormir porque tive de ir buscar a minha filha à discoteca pelas x horas da manhã”.

E foi assim que talvez tenha começado por conhecer o Homem antes de conhecer o empresário.

Quando, anos depois, acompanhado de sua mulher, Rosa Maria, me convidou, formal e definitivamente, para com ele trabalhar, disse-me exactamente o que esperava do meu trabalho, qual seria esse trabalho e em que condições se desenvolveria.

Sem sombras, sem opacidades, sem dúvidas, sem nada que não fosse transparente e claro.

E ali, num tranquilo jantar no Hotel Sheraton, começou a ganhar outra dimensão esta relação de um quarto de século, uma relação que ocupa metade da nossa vida adulta.

Uma relação que foi, sempre que assim tinha de ser, uma relação profissional.

Uma relação que evoluiu para uma relação pessoal e de amizade, sem que aquela fosse condicionada ou prejudicada.

Uma relação de cumplicidades várias de que serei, eu, e só eu, fiel depositário até que termine a minha “partida de xadrez”.

Um quarto de século é muito e não é nada.

As marcas que cada um deixa na vida e as memórias que delas guardam os que nos sobrevivem, essas são verdadeiramente relevantes.

As indeléveis marcas que António Mota deixa em cada um dos que com ele privaram perdurarão em cada um.

Sabemos todos como construiu, em conjunto com a Teresa, a Manuela e a Paula, um enorme Grupo Económico.

Sabemos todos como transmitiu esse Grupo Económico à geração seguinte.

Sabemos todos como ajudou Portugal a afirmar-se no mundo.

Sabemos, também, que foi solidário e atento aos que, menos afortunados, estavam, na feliz expressão de Marcelo Rebelo de Sousa, “do outro lado do caminho”.

Camus interrogava-se: “Já notou que só a morte desperta os nossos sentimentos?”

Felizmente, não foi assim com António Mota.

Advogado e gestor

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