Um país a 'navegar' como um jogo de 'flippers'
"São 10, 20 anos e o cidadão não tem esperança que alguma coisa possa mudar e quando não temos confiança e esperança qualquer um pode tomar conta da barca.”
A frase pertence a Américo Aguiar, o bispo de Setúbal que aproveitou a presença nas jornadas parlamentares do PSD e CDS para, usando uma linguagem figurativa, falar sobre o país real, aquele que existe além das portas dos gabinetes.
Não contente com o alerta sobre qualquer um poder “tomar conta da barca”, o cardeal acrescentou: “Havia aquelas máquinas flippers, a gente fazia aquela bolinha lá em cima, ela vinha assim, fazia aquele barulho. Portanto, todos os dias é assim. Seja obstetrícia, seja outra especialidade, isto não ajuda a criar confiança.” Américo Aguiar referia-se aos problemas no setor da saúde que a península de Setúbal, principalmente, enfrenta a um ritmo quase diário devido ao encerramentos de urgências e de outros serviços.
O lúcido discurso do cardeal não podia ser mais atual. Diariamente temos ouvido e lido queixas de quem precisa de um médico e anda de hospital em hospital, na educação a semana fica marcada pelos atrasos na divulgação dos resultados dos exames de Português e Matemática do 9.º ano com a explicação a passar por “questões técnicas”. Será?
Os transportes, nomeadamente na ligação ferroviária entre Setúbal e Lisboa, continuam a motivar queixa dos utentes devido à sobrelotação das carruagens. E a habitação está ainda mais na ordem do dia na sequência das demolições de barracas no Bairro do Talude Militar, em Loures. E julgo que todos concordamos que estas são ilegais e sem condições para se viver.
Mas a verdade é que não se assiste a decisões que provoquem mudanças em todas estas situações.
Foquemo-nos no caso de Loures. A autarquia não terá apresentado soluções de realojamento às dezenas de pessoas que viviam naquele bairro. Mas, não o fez porquê? Não tinha soluções? Não havia uma ideia de como resolver a questão? Ou era preciso agir rapidamente para não dar espaço político a alguém?
Seja como for, os responsáveis de Loures poderiam, se não o fizeram e apenas a título de exemplo, olhar para o que fez a autarquia do Seixal. No caso dos realojamentos que fez, a câmara comprou apartamentos em vários locais do concelho e depois alojou as pessoas nessas casas. Não sei se é a forma ideal, mas pelo menos não deixou famílias a dormir na rua.
Todos estes temas são um retrato de um país que todos queremos melhor. Por isso, seria bom que no debate do Estado da Nação que terá lugar esta tarde no Parlamento os deputados apresentassem ideias e não apenas apontassem uns aos outros o dedo e... não só.
Editor executivo do Diário de Notícias