Um Orçamento tecnocrático para tempos incertos

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A proposta de Orçamento do Estado para 2026, entregue esta quinta-feira no Parlamento, confirma as expectativas: trata-se de um documento tecnocrático, esquemático e deliberadamente contido. O Governo optou por um orçamento com margem orçamental mínima - um excedente de apenas 0,1% do PIB - e com escassa abertura para negociações políticas. A mensagem é clara: não haverá espaço para cedências nem para grandes revisões na especialidade.

Com o líder do Partido Socialista, José Luís Carneiro, a sinalizar disponibilidade para viabilizar o documento, a sua aprovação parece garantida. Mas o que merece atenção não é o desfecho parlamentar - é a natureza do próprio documento. O ministro Joaquim Miranda Sarmento escolheu um caminho técnico, evitando o ruído habitual de propostas orçamentais que prometem tudo e mais alguma coisa, mas cuja execução raramente é escrutinada.

O Orçamento do Estado não é um plano quinquenal, nem um business plan. Serve para definir, autorizar e controlar como os dinheiros públicos serão arrecadados e gastos ao longo de um ano. E, nesse sentido, talvez o maior elogio que se possa fazer a esta proposta seja justamente o que alguns lhe apontam como defeito: falta de ambição e visão estratégica. O país precisa de visão, sim - mas essa deve estar nos programas de Governo, nos planos de médio prazo, nas reformas estruturais. O Orçamento serve para dizer como se financiam essas escolhas, não para as substituir.

Onde o documento merece escrutínio é sobretudo nos seus pressupostos. Vivemos num mundo de elevada incerteza, e os riscos são reais. O crescimento económico foi revisto em baixa para 2% este ano e 2,3% em 2026 - valores que levantam dúvidas sobre a sustentabilidade das metas orçamentais. A execução do PRR continua lenta, os investimentos públicos enfrentam entraves burocráticos, e os privados hesitam perante a instabilidade política. É tudo isto, mais do que o facto de o Orçamento não ser o mega-documento salvífico a que nos habituamos nas últimas décadas, que nos deveria preocupar.

A guerra no leste da Europa persiste, com impacto nos nossos parceiros comerciais. Os gastos com Defesa podem vir a ser superiores ao previsto. E a conjuntura global continua marcada por volatilidade energética, pressão inflacionista e desafios geopolíticos.

Há nuvens no horizonte. Mas também há espaço para surpresas positivas. O rigor técnico do orçamento pode ser uma âncora em tempos incertos - desde que não se confunda contenção com imobilismo. O verdadeiro teste será a capacidade de execução. Porque um orçamento só é bom se for cumprido. E só é útil se for capaz de se adaptar à realidade.

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