Um mundo de Tyrrel Corporations?

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Em Blade Runner, um filme noir de ficção científica de 1982 do realizador Ridley Scott, a visão futurista (em 2019) da megametrópole Los Angeles é uma sociedade pós-ecocídio, com enorme destruição ambiental (chuvas ácidas, raros animais naturais) e com uma paisagem urbana dominada pelo enorme edifício piramidal da Tyrrel Corporation, uma gigantesca firma tecnológica especializada na produção de robôs humanoides (replicants) idênticos a seres humanos (“more human than human”) utilizados na exploração espacial e em colónias “fora da Terra” para onde muitos humanos entretanto migraram. 

Atualmente, a degradação ambiental está longe de um ecocídio como mencionado no filme, embora muito falte fazer para preservar a biodiversidade e evitar a destruição de mais ecossistemas, habitats naturais e espécies

Porém, a criação de empresas tecnológicas gigantescas – muitas das quais em situação de monopólio ou duopólio no respetivo setor – já nos aproxima do mundo de Blade Runner. As razões para esta concentração empresarial são conhecidas: (i) controle de tecnologia inovadora; (ii) economias de escala; (iii) barreiras à entrada; (iv) aquisição de concorrentes; (v) regulamentação governamental. São disso exemplo o Alphabet e Meta (dominam o mercado de publicidade online), a Amazon e Alibaba (controlam uma grande parte do mercado de comércio eletrónico), a Apple e a Alphabet (dominam o mercado de sistemas operacionais móveis), Visa e Mastercard (um duopólio que domina o mercado de pagamentos com cartão). Podemos ainda juntar mais alguns exemplos de gigantes chinesas como a Huawei, Tencent, ByteDance, Ant Financial.  

Curiosamente, o conglomerado tecnológico mais similar à Tyrrel Corporation é o liderado por Elon Musk. Investe fortemente em robôs humanoides (Tesla), na exploração e colonização espacial (Space X) e em interfaces cérebro-computador implantáveis (Neurolink). 

A crescente captação de fundos avultados por empresas no setor da Inteligência Artificial (AI) significa que alguns dos maiores gigantes tecnológicos serão empresas de AI – ASML, NVIDIA, TSMC, Anduril, Anthropic, OpenAI, DataBricks, SSI, Ripple, Thinking Machines, Broadcom, DeepMind, DeepSeek, xAI, Palantir, Perplexity AI. 

Na UE, várias das principais tecnológicas têm sido acusadas de práticas anti-concorrenciais e pressionadas para se dividirem em várias empresas. Mas tal não sucede nos EUA nem na China, onde o poder político claramente as considera importantes ativos para a supremacia geoestratégica. Nos EUA, depois de inconsequentes investigações anti-trust promovidas por agências governamentais na era Biden, a Administração Trump é um exemplo de como o poder político é dominado pelo poder económico. Vai ser interessante seguir a evolução na China onde o materialismo histórico é parte integrante da ideologia do Estado-Partido. 

Queremos mesmo um mundo controlado por novas Tyrrel Corporations

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