Na Cimeira da CPLP, realizada em agosto passado em São Tomé e Príncipe, o presidente Lula da Silva declarou que era tempo de o português ser língua oficial das Nações Unidas e os países deveriam, em conjunto, desenvolver esforços nesse sentido. Trata-se de uma ambição há muito enunciada, mas importa considerar que esta declaração do presidente do Brasil se insere numa estratégia mais global que decorre do regresso à cena internacional e ao diálogo multilateral, que tem na língua uma relevante componente..Há menos de uma semana, o jornalista brasileiro Jamil Chade publicou no portal Vozes uma notícia intitulada Brasil lança ofensiva diplomática para promover o português no mundo, informando que, de acordo com fontes do Itamaraty (Ministério das Relações Exteriores), a partir de 2023, esta estratégia passou a ser "uma das linhas prioritárias do Programa de Diplomacia Cultural do Instituto Guimarães Rosa (congénere do Instituto Camões), e acrescenta que "sendo o português uma das línguas mais faladas no hemisfério sul, seu lugar no mundo faz parte do reposicionamento do país no debate internacional, principalmente depois de quatro anos de isolamento"..Também o discurso do presidente Lula da Silva na abertura da 78.ª Assembleia-Geral das Nações Unidas, no passado dia 19 de setembro, centrado na urgência de combater a desigualdade, a fome e alertando para o agravamento da crise climática, insiste neste regresso à comunidade internacional: "Nosso país está de volta para dar a sua devida contribuição ao enfrentamento dos principais desafios globais. Resgatamos o universalismo da nossa política externa, marcada por diálogo respeitoso com todos.".Trata-se de um posicionamento que afirma a sua vontade de liderança global, num mundo multipolar em que o Sul quer ganhar voz e reduzir as suas desigualdades..As línguas têm uma dimensão política de afirmação dos povos que as falam ou nelas comunicam. As línguas são poder e há línguas de poder. Aprendemos com a História que o lugar das línguas muda de acordo com a importância que assumem os seus falantes. Se a tendência para o monolinguismo parece inelutável, podemos estar numa mudança de paradigma de que ainda pouco nos apercebemos, mas é visível no modo como o Brasil afirma o poder do português. A hegemonia do inglês faz parte de um tempo em crise e, tal como se constata que caminhamos (desejavelmente) para um mundo multipolar, também pode haver interesse na diversidade linguística..A História longa custa a ser percebida pelos que vivem uma história curta (que são 60, 70 ou até 100 anos no curso das sociedades?), mas pressentimos o vaivém das mudanças e, sobretudo, podemos contribuir de forma consciente para que aconteçam. Esse é o lugar das políticas, que não serão apenas públicas, mas decorrem das escolhas que representam..Quando avaliamos o estatuto das línguas, nomeadamente as que têm dimensão internacional e global (o que é distinto), uma das vertentes é a sua presença nas Organizações Internacionais (OI). No trabalho de referência O Novo Atlas da Língua Portuguesa (edição especial, 2020), da autoria de Luís Antero Reto, Fernando Luís Machado e José Paulo Esperança, o levantamento das OI a que pertencem os países de língua portuguesa aparece no capítulo Língua e Influência, o que permite considerar as Nações Unidas. Contudo, é mais comum considerar as OI em que o português é língua oficial ou de trabalho, o que alarga o número para mais de duas dezenas. Um trabalho académico recente da autoria de Anaísa Silva Gordino, O português nas Organizações Internacionais: Para uma estratégia de difusão e implementação da língua portuguesa (Universidade Aberta, 2017) apresenta uma sistematização muito relevante do estatuto das línguas nas diferentes OI, mas sobretudo discorre sobre a importância de políticas de língua e planeamento linguístico (PLPL) que estabeleçam objetivos comuns e uma ação concertada. É nesse sentido que a estratégia do Brasil, além da aposta no Instituto Guimarães Rosa, reconhece e apoia o Instituto Internacional da Língua Portuguesa (IILP) enquanto organismo responsável por uma gestão que envolve todos os países e, além disso, pode identificar parceiros neste percurso de diversidade linguística em que o português tem condições e se deve afirmar..Há décadas que se diz que o Brasil é um parceiro fundamental para a afirmação do português como língua global (e, como parte desse objetivo, língua internacional). Temos uma boa oportunidade para trabalhar em conjunto e fazer dos nossos países atores com voz e direito a expressar na própria língua os seus sonhos e dificuldades..Diretora em Portugal da Organização de Estados Ibero-Americanos