A Incoerência dos Filósofos é uma obra da autoria de al-Ghazali, pensador de cultura muçulmana, que viveu na segunda metade do século XI e no início do século XII em Bagdad e noutras cidades do Califado Abássida. Professor e jurista sunita, deixou um importante legado de teologia, mística e filosofia, considerado pelos maiores especialistas como dos mais influentes de sempre na cultura islâmica. O livro é a mais recente publicação dos clássicos da Fundação Gulbenkian e representa um contributo essencial para o diálogo entre das mais antigas culturas do mundo. A tradução do árabe, a introdução e notas devem-se a Catarina Belo, grande especialista da cultura e dos estudos islâmicos, formada em Filosofia na Universidade de Lisboa e doutorada pela Universidade de Oxford, exercendo hoje funções docentes na Universidade Americana do Cairo. A autora desta obra de referência, traduziu também para a mesma coleção dos clássicos A Cidade Virtuosa de Alfarabi (c. 872 - 950) em 2018, tendo recebido o Prémio Sheikh Hamad (2019) pela qualidade das traduções do árabe para o português..Mais do que um excecional contributo para um melhor conhecimento de importantes culturas, estamos perante a criação de pontes essenciais para o enriquecimento mútuo e o respeito entre modos diferentes de conhecer o mundo e a Humanidade. E Chance and Determinism in Avicenna and Averroes (Brill, 2007) constitui ainda um estudo que é um contributo aprofundado para a História da Filosofia em diálogo com a Teologia. A leitura da presente obra, composta de 20 discussões, permite-nos ter contacto com diversos pontos de encontro entre a filosofia grega e o pensamento árabe. Um dos temas recorrentes é o facto de a razão não conseguir provar tudo aquilo que os filósofos afirmam e um dos objetivos principais desta obra é mostrar os limites da razão. Há um caráter dialético em al-Ghazali, já que, para refutar as demonstrações apresentadas pelos filósofos, o pensador fala também por si, defendendo que o conhecimento de determinadas questões se faz pelos livros religiosos e não através de demonstrações filosóficas. De facto, as questões centrais desta obra são de ordem metafísica, incluindo temas sobre a criação, a natureza divina e os atributos de Deus, não devendo esquecer-se a importância da experiência mística para o autor, um defensor empenhado do sufismo, colocando a mística entre as principais disciplinas do Islão..Enquanto 16 discussões se reportam à metafísica, as quatro finais tratam das ciências naturais. E al-Ghazali afirma que os filósofos não conseguem provar a existência ou a unicidade divina, nem que Deus é criador do mundo, o que decorre da crença na eternidade do mundo por parte dos filósofos. E, como salienta Catarina Belo, se al-Ghazali afirma que esta sua obra tem um caráter meramente destrutivo e que nela não pretende apresentar uma posição positiva sua, a sexta discussão, acerca dos atributos divinos, indica uma opção teológica bem definida. No fundo, al-Ghazali insiste na ideia de que não se deve procurar estudar a essência divina por meios racionais, e que deveríamos limitar-nos ao que a escritura afirma. Mas um dos problemas da filosofia islâmica estaria na sua origem grega, como confessa em O Libertador do Erro. Naturalmente que a grande reação à obra de al-Ghazali viria de Averroes em A Incoerência da Incoerência, que denuncia o caráter sofístico da mesma, realçando, mais do que a validade das obras de Alfarabi e de Avicena, o valor do pensamento de Aristóteles no seu conjunto. O certo é que al-Ghazali vai abrir novas perspetivas no sentido de uma maior ligação entre filosofia e teologia, não podendo esta ignorar o contributo daquela. Assim, a natureza do Universo e a relação entre espaço e tempo entram, naturalmente, no debate essencial sobre o sentido da vida..Administrador executivo da Fundação Calouste Gulbenkian