Um dia mau para a "autocracia americana"

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Terça-Feira, 4 de Novembro, foi um dia mau para Trump, para os Republicanos e para a Direita americana. Foram revezes eleitorais sérios nas eleições para mayor de Nova Iorque e para os governos dos estados da Virginia e de New Jersey. E ainda, na Califórnia, o governador democrata, Gavin Newson, conseguiu ver aprovada uma redistribuição de círculos eleitorais que favorecerá o seu partido nas próximas eleições. Não está mal, para uma “autocracia”, ou para o que alguns dizem ser a “América amordaçada”, dirigida e orquestrada por Trump.

O mais significativo destes pleitos foi a vitória de Zohran Mamdani em Nova Iorque: Mamdani é natural do Uganda, veio aos 7 anos para os Estados Unidos e agita todas as contraditórias bandeiras das novas esquerdas. Filho dilecto da gentry left e da ala radical do Partido Democrático, com Sanders e Ocasio-Cortez entre os seus mais entusiásticos apoiantes, Mamdani é muçulmano, socialista e woke, conseguindo a proeza de juntar Islão e pro-palestinianismo com o apoio da comunidade gay e a promessa do pote de ouro no fim do arco-iris: rendas baixas, transporte de graça e taxação dos ricos em Nova Iorque. As governadoras eleitas da Virginia e New Jersey são, respectivamente, Abigail Spanberger, defensora do “gun-control” e do aborto, e Mikie Sherrill, ex-militar e piloto da US Navy. Finalmente, na Califórnia, a redistribuição de círculos eleitorais do progressista radical Gavin Newson.

Para o Politico, estas vitórias marcam o fim de um annus horribilis para os Democratas, com as eleições em 5 de Novembro de 2024, em que os Republicanos conquistaram a Presidência e as duas câmaras do Congresso.

Mas será mesmo assim? Os democratas têm considerado este 4 de Novembro um referendo popular sobre a Administração Trump, ao que Trump respondeu que não esteve nas listas e que é o shutdown, a paralisação do governo, a grande razão do descontentamento popular.

Além de tudo isto há, na América, um problema de fundo e mais fundo, que Rod Dreher menciona no European Conservative de 5 de Novembro, citando The Origins of Totalitarism, de Hannah Arendt. Para Arendt, as sociedades estariam maduras para soluções totalitárias quando imperassem a atomização e a solidão das culturas de massas, a ausência de confiança nas hierarquias, autoridades e instituições, a predisposição para aceitar narrativas fictícias, simples e conspiratórias, que viessem ao encontro das convicções e da imaginação de cada um, e a vontade de transgressão, por pura diversão, das normas sociais.

Isto explicaria, para Dreher, tanto o triunfo da cultura woke na América do século XXI, à esquerda, como do radicalismo conspiratório à direita. O wokismo é uma típica “desconstrução” de pensadores franceses pós-marxistas em apostolado na América progressista, um totalitarismo cultural aparentemente soft com base em delírios sobre a natureza humana, a civilização e a normalidade. Foram as tentativas de imposição desta utopia, a sua aplicação forçada ao corpo físico, ao corpo da língua e ao corpo social, que fizeram do wokismo uma maldição para a Esquerda. De resto, a par das desigualdades económico-sociais criadas pelo elitismo globalista é ao radicalismo woke que se deve, por reacção, a subida do nacionalismo popular.

Para Dreher, o maior perigo que poderá representar Mamdani em Nova Iorque será contribuir para a ascensão ou o reforço, no espaço da direita, de um antídoto radical para o wokismo, ou de um wokismo de combate, igualmente radical e delirante, mas de sinal contrário.

Politólogo e escritor

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia

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