Um bonito autorretrato para inglês ver

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O GovTech Maturity Index (GTMI 2025) do Banco Mundial, que acabou de ser anunciado na semana passada, voltou a colocar Portugal no grupo A, que é o grupo dos países com “maturidade extensiva” na digitalização do setor público. O relatório, que avalia 197 economias e analisa 48 indicadores sobre serviços, sistemas e políticas públicas, confirma que Portugal permanece entre os líderes, tal como já acontecera em anos anteriores. Mas, como sempre, convém olhar para lá do brilho dos gráficos, pois a distância entre a maturidade técnica e a experiência real continua a merecer alguma preocupação.

O GovTech não ouve os cidadãos e confia demasiado na autoavaliação dos governos, que respondem a questionários com o otimismo típico de quem acredita que uma política pública é o mesmo que aplicá-la à vida de todos nós.

O documento de 2025 mostra progressos globais, mas também um alargamento da distância entre os países líderes e os países mais atrasados, revelando que os países mais fortes continuam a ser os que mais avançam. Portugal está incluído neste lote e beneficia claramente desta dinâmica, pois mantém sistemas centrais robustos, uma identidade digital madura e uma oferta de serviços públicos digitais que, segundo várias métricas, está entre as mais consolidadas da Europa.

A continuidade portuguesa entre os líderes não é um acaso. O índice avalia quatro pilares essenciais, que incluem sistemas centrais, entrega de serviços, participação dos cidadãos e facilitadores GovTech (estratégias, leis, e competências). Em 2025, as áreas de maior evolução global foram a adoção de government cloud, interoperabilidade e novos indicadores como políticas de inteligência artificial, ética e tecnologia verde. Portugal encaixa bem nestes avanços, pois já possuía um ecossistema digital estruturado e em vários casos foi até pioneiro há mais de trinta anos.

No entanto, o relatório também revela algumas sombras. A participação digital dos cidadãos continua a ser globalmente a dimensão menos madura e Portugal não escapa a essa tendência. Plataformas de transparência, portais de dados abertos e mecanismos de participação mostram progressos irregulares e fragilidades persistentes. É a confirmação estatística de que muitos cidadãos sentem que o Estado digital comunica melhor consigo próprio do que com quem precisa dos seus serviços.

O mesmo acontece com as competências digitais e a inovação pública. Embora o número de países com estratégias de inovação e políticas para startups tenha aumentado o índice GovTech, isso não significa que a cultura interna tenha acompanhado esse ritmo. Portugal está no pelotão da frente, no entanto enfrenta o mesmo obstáculo que muitos líderes enfrentam, uma vez que, depois de construir a infraestrutura, é preciso que ela funcione com fluidez e simplicidade.

Porém, a verdadeira realidade vive fora das tabelas. Vive no cidadão que tenta resolver um problema simples e acaba a vaguear entre portais e autenticações que parecem não falar umas com as outras. O GTMI 2025 mostra-nos que Portugal tem os ingredientes certos, como plataformas de interoperabilidade, serviços online, identidade digital e políticas transversais. O que não se avalia é se o resultado final agrada de facto ao cidadão.

É por isso que a presença no grupo A é motivo de reconhecimento, embora também de inquietação. Porque a modernização digital de um Estado não se esgota na existência de sistemas avançados, pois cumpre-se na experiência quotidiana de quem deles depende.

Portugal continua a viver numa dupla realidade, por um lado é líder nos relatórios internacionais e por outro ainda revela demasiados momentos em que nos apercebemos que o país digital existe, sem contudo chegar totalmente ao cidadão comum, onde a vida real de facto acontece.

Especialista em governação eletrónica

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