Um ano de guerra. A aventura de Moscovo lançou o caos no Mundo

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No início da guerra, quando as tropas de Moscovo estavam a 32 quilómetros de Kiev existia a expectativa de que, muito rapidamente, tomariam Kiev e assumiriam o poder em toda a Ucrânia.

Contudo, os dias de fevereiro e março de 2022 foram passando e as dificuldades de progressão das forças russas em território ucraniano foram-se acentuando. A longa coluna de pesados tanques que ía a caminho da capital foi sendo, sistematicamente, destruída.

Este foi o primeiro sinal da derrota das pretensões de Putin em relação a uma conquista rápida da Ucrânia, ao pretender realizar o seu objetivo imperialista de reconstrução do império russo czarista.

Face ao desaire militar com forças convencionais no terreno, Putin partiu para a solução de destruição síria e chechena. Entrincheirado no Donbass, choveram sobre as cidades ucranianas todo o tipo de mísseis e bombas proibidas, como as de fragmentação interditadas pela convenção das Nações Unidas.

Edifícios civis, hospitais, maternidades, escolas, estruturas de distribuição de energia e água, centrais termoeléctricas, nada escapou à barbárie russa. Civis indefesos, crianças, idosos, são hoje vítimas da guerra.

As consequências desta invasão da Ucrânia estão hoje aos olhos de todos. Segundo as Nações Unidas há 13.3 milhões de refugiados, 6,5 deslocados para a Polónia, 3 milhões para a Rússia e o restante um pouco para o resto do Mundo. Ainda números das Nações Unidas apontam para a morte de 7200 civis, sendo que destes 450 são crianças.

A Rússia enviou 6000 crianças para campos de reeducação com idades compreendidas entre os 4 meses e os 17 anos. Crianças sobretudo provenientes das regiões do Donetsk e Lugansk. Os mais velhos estão a ser politicamente doutrinados e a receberem preparação militar. Segundo Nathaniel Raymond, Director Executivo do Laboratório de Pesquisa Humanitária de Yale, existem 43 centros de reeducação na Crimeia, na região do Mar Negro e na Sibéria. Do total das seis mil crianças trezentas e cinquenta terão sido indevidamente adotadas por famílias russas. Tudo isto configura uma violação da Convenção de Genebra.

Na componente militar as baixas conhecidas são avassaladoras. Credíveis fontes da Defesa Norueguesa falam da morte de 100 mil soldados ucranianos e de 200 mil russos.

Entretanto a estratégia de Putin mudou e o seu objetivo imediato reside agora no controlo da região do Donbass onde o líder diz haver uma população de etnia maioritariamente russa. Não é verdade! Censos realizados em 2001 indicavam 57 por cento de uma população de etnia ucraniana e apenas 38 por cento eram de origem russófona.

A ideia de que a Rússia ia encontrar uma Europa dividida e os Estados Unidos demasiado preocupados com a questão de Taiwan "caiu por terra". O Ocidente em bloco percebeu que se permitisse agora uma violação do Direito Internacional e a ocupação de um país independente e com território, geograficamente, bem definido, as portas estariam escancaradas para no futuro se verificarem outras situações idênticas.

A Europa e os Estados Unidos percecionaram isso e organizaram-se. A ajuda militar à Ucrânia atinge já os 40 mil milhões de dólares. De Washington vieram 28 mil milhões e o restante da União Europeia e outros países.

As consequências geopolíticas desta guerra estão nas antípodas do que pretendia Putin. A invasão da Ucrânia reforçou a presença norte-americana na plataforma euro-asiática. Os países da União Europeia, até agora adormecidos na lógica do business as usual, vão agora alterar a sua estratégia e reconstruir as indústrias do armamento militar.

A Rússia ficou a perder. A exportação de armamento russo, sobretudo para países africanos, está comprometida dado o fracasso do seu equipamento militar no terreno. Pelo contrário, os Estados Unidos conquistaram a oportunidade de testar a eficácia das suas armas em teatro de guerra. E a indústria de armamento norte-americano subiu a sua faturação. A Nato tem de agradecer a Putin o reforço do seu poder, o seu rejuvenescimento com previsível alargamento de mais dois países, Suécia e Finlândia.

Sobre a economia russa choveram sanções. Oligarcas e apoiantes de Putin viram as suas contas bancárias congeladas, os iates de luxo aprendidos, os aviões privados arrestados em vários aeroportos internacionais. O estabelecimento de um tecto máximo para o preço do petróleo russo provoca um prejuízo diário de 160 milhões de euros nos cofres de Moscovo. Cerca de 643 mil milhões de dólares foram congelados como resultado da proibição de transferência e transações com o Banco Central Russo. Dinheiro que pode vir a ser, futuramente, utilizado na reconstrução da Ucrânia

A recente visita do Presidente Biden a Kiev, abriu espaço a uma maior hegemonia norte-americana na Europa, reforçando o poder dos Estados Unidos no continente europeu. Manda quem tem dinheiro e capacidade militar. Tudo isto revela da parte de Putin uma deficiente avaliação das consequências da Guerra. Ou os seus Serviços de Informações foram incompetentes, ou a máquina militar de guerra russa está obsoleta. Ou, um pouco destas duas coisas, levaram aos erros cometidos por Putin.

A guerra trouxe também a inflação. Maior carestia de vida para os cidadãos dos países desenvolvidos. Mais pobreza, fome e miséria para os países pobres a braços hoje com a escassez de cereais.

.A Ucrânia é hoje um país com profundas marcas da guerra. Quase 18 milhões de ucranianos necessitam de ajuda humanitária. Falta água, faltam alimentos, falta electricidade, não há aquecimento. O parque habitacional está parcialmente destruído tal como muitas infraestruturas energéticas.

No concerto das Nações a coexistência pacífica entre países de diferentes ideologias políticas está agora mais ameaçada.

Há um redesenho da geopolítica mundial que não é favorável à paz. A Coreia do Norte, sempre na sua "histeria" bélica diz querer transformar o Pacifico num "campo de tiro". O Irão envolveu-se no apoio à Rússia. A China, aproveitando os preços baratos de petróleo e gás que a Europa sancionou, reforça o seu poder energético e dá sinais de aproximação a Moscovo. A globalização vai sofrendo pequenos golpes na sua lógica de cooperação comercial e coexistência entre países.

Tudo isto resulta dos erros de Putin. Após um ano de guerra, as suas ambições imperialistas pouco mais fizeram do que tornar o Mundo mais imprevisível e perigoso.

Jornalista

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