Não seria compreensível o silêncio de Donald Trump perante a decisão de Biden de autorizar a utilização de mísseis ATACMS em território russo, se não existisse um acordo silencioso e tácito entre o presidente cessante e o novo ocupante da Casa Branca. Parece ser óbvio que ambos terão alinhado posições no sentido do uso daqueles mísseis, tendo em vista o novo espaço geopolítico em que a guerra da Ucrânia vai entrar e que será, no futuro, a mesa das negociações..A presente supremacia russa no teatro de guerra é, actualmente, uma realidade. Enfraquecer a sua posição no conflito é decisivo para a estratégia de preparar Moscovo para entrar no campo da negociações. Os mísseis ATACMS, pelo seu perfil técnico, são ideais para, de um modo mais eficaz e rápido, provocarem baixas significativas no potencial bélico russo. São mísseis que além de percorrerem distâncias até 300 km, fixam-se nos alvos e destroem o que estiver num raio de 50 metros à volta desses mesmos alvos. O resultado é pois uma consequência táctica que pode levar à destruição de importantes arsenais militares russos como armazéns de munições, esquadras de aviões, lançadores de mísseis e outros importantes instrumentos do arsenal de guerra da Rússia..A resposta de Moscovo a esta alteração no uso dos ATACMS por parte dos Estados Unidos foi, como habitualmente, o bluff..Putin apressou-se a referir a alteração da legislação (tinha sido alterada anteriormente) que regula a utilização de armas nucleares russas, alegando que ataques a território russo com mísseis ATACMS por parte de uma potência estrangeira com capacidade nuclear representa um ataque de países da NATO à Rússia, justificando, assim, um possível uso armas nucleares russas..Convém referir nesta nova dinâmica em que a guerra da Ucrânia está a entrar que o uso de armamento nuclear russo seria uma violação grosseira de uma das mais importantes linhas vermelhas impostas pela China a Moscovo que é a da não utilização de armamento nuclear, em qualquer circunstância, no conflito da Ucrânia..Pequim dá grande importância às suas metas económicas e financeiras e uma escalada nuclear da guerra constituiria um sério risco para os objectivos que a China desenhou para as próximas décadas..Daí o quase silêncio das autoridades de Pequim (houve apenas um apelo à calma) sobre a escalada da guerra, sabendo-se que os líderes chineses falam pouco e quando falam é para serem ouvidos com toda a atenção..Embora esta decisão no uso dos ATACMS tenha origem, ainda, no actual ocupante da Casa Branca, Joe Biden, é já Donald Trump a preparar as condições para a execução do que foi uma das suas principais bandeiras de propanganda eleitoral – a de acabar com a guerra da Ucrânia em 24 horas..Trump, ou os que o rodeiam, tem uma ideia ou uma pseudo solução para a guerra na Ucrânia. Trata-se de congelar o conflito, criando uma zona tampão junto à fronteira da Ucrânia com a Rússia, uma espécie de corredor de paz a ser gerido por uma força de paz europeia. E, nesta lógica de negociação, a Ucrânia ficaria impossibilitada de entrar na NATO num prazo de vinte anos..É, pois, possível que neste jogo de sombras internacional, tudo esteja a preparar-se para a criação de condições no sentido dos protagonistas internacionais se sentarem à mesa das negociações dotados dos melhores argumentos e paramêtros estratégicos para apresentar na mesa de negociações..A Ucrânia terá de chegar às discussões sobre uma possível paz com o domínio militar de uma pequena e simbólica parte da Rússia, na região de Kursk, como moeda de troca, enquanto Moscovo deverá abandonar parte das zonas conquistadas à Ucrânia, particularmente no Donbass..Portanto, ainda que por agora estejamos a ouvir falar, insistentemente, de guerra e escalada da mesma, é bem possível que, em breve, a narrativa passe a ser uma prolongada discussão sobre como atingir a paz na guerra da Ucrânia. Oxalá assim seja!