Tudo bons rapazes

Publicado a

Em Portugal, no antigo regime, as várias famílias da Esquerda que já dominavam culturalmente a edição e a opinião iam dos “liberais-chiques” aos maoistas. Havia ainda a oposição fortemente organizada do Partido Comunista. E em 1973, a chamada oposição democrática reconvertia-se no Partido Socialista, ancorado no eixo germano-americano (SPD-Intelligence norte-americana).

Em Espanha passou-se mais ou menos o mesmo, depois de o almirante Carrero Blanco, garante e vigilante do franquismo junto do rei a restaurar, ter sido convenientemente assassinado pela ETA, também em 1973.

Aqui, ao cabo de 50 anos e muito estrago, a Esquerda tornou-se minoritária. E se em 2024, nos cinquenta anos de Abril, chegavam ao Parlamento 50 deputados de “extrema-direita”, em 2025 chegariam 60, passando “os fascistas” a liderar a oposição.

Mas a par dos problemas esquerda-direita, a Espanha tem uma situação mais grave do que a nossa: os separatismos. Os separatismos cresceram exponencialmente no País Vasco e na Catalunha, com os socialistas, que no tempo de Filipe González e Alfonso Guerra eram defensores da unidade de Espanha, a cederem aos independentistas, desde que a Lei da Memória Histórica de Sapatero ressuscitou as “duas Espanhas”. E têm agora o seu líder e chefe do governo, Pedro Sanchez, a braços com os casos de corrupção e de tráfico de influências que lhe têm vindo a cair em cima, quais mísseis de Nethanayu sobre cientistas iranianos.

A mulher e o irmão de Sanchez estão já sob acusação e, na semana passada, um relatório da Unidade Central Operativa da Guardia Civil, um documento de 490 páginas apresentado ao Supremo Tribunal, veio implicar mais três personalidades do PSOE noutros e porventura ainda mais escandalosos escândalos. São elas, nem mais nem menos que o secretário da organização do PSOE, Santos Cerdán, o ex-ministro dos transportes, José Luís Ábalos, e o seu assessor, Koldo Garcia.

Koldo foi trazido por Cerdán para Madrid e tem um curriculum de sonho: de segurança a guarda-costas, de autarca do Partido Socialista Navarro a chauffeur de Abalós e de chaffeur de Abalós a seu assessor. Mas uma vez chauffeur, sempre chauffeur, e a sua assessoria permaneceria ligada ao transporte e acondicionamento em malas de numerário proveniente das mais-valias da corrupção destinado aos “chefes” e ao Partido. Conhecendo, porém, a entidade patronal e temendo vir a ser sacrificado, Koldo achou por bem gravar as conversas com os mandantes e destinatários das encomendas.

Foram estas gravações que a Unidade Central Operativa da Guardia Civil apresentou agora ao Supremo Tribunal. Santos Cerdán demitiu-se de Secretário do PSOE e Abalós vai ser ouvido pelo Juiz a 24 de Junho, juntamente com Koldo.

Há vários dias que os jornais espanhóis dão o escândalo em primeira página e que os noticiários abrem com os corruptos enredos de Pedro Sanchez. Aqui ao lado, nos jornais e telejornais, nada, ou quase nada. Silêncio.

Para quê quebrá-lo? São de esquerda, são socialistas, tudo bons rapazes, e já se sabe como estas coisas são. Não podemos é deixar que os casos e casinhos de nuestros hermanos nos distraiam das malfeitorias da extrema-direita, nacional e internacional – essa sim, a verdadeira ameaça à democracia.

Politólogo e escritor

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia

Diário de Notícias
www.dn.pt