Por estes dias, possivelmente já hoje, o Governo português vai aprovar o caderno de encargos para a privatização da TAP, um processo para o qual - sabemos desde já - há três fortes interessados: os grupos Lufthansa, IAG (British Airways e Iberia) e Air France-KLM.Nota um. O Estado tem estado em contacto constante, mas discreto, com representantes destes grandes grupos interessados na companhia aérea portuguesa. Tem feito o seu trabalho de arrumação da casa no sentido de conseguir o melhor preço possível por uma empresa que só agora, depois de ter recebido uma injeção de 3,2 mil milhões de euros dos contribuintes tem apresentado algum lucro nas suas contas. Houve, aliás, bastante trabalho de faxina. Ontem, por exemplo, foi declarada a morte oficial da TAP SGPS, a atual Siavilo, conhecida pelos seus vários credores como a “TAP Má”. Era, paz à sua alma, a empresa que o Estado português desnatou metodicamente em favor da TAP SA, um processo que acelerou com o processo de privatização e a empresa onde o Estado parqueou quase toda a dívida, sendo a TAP SA a maior credora, seguida da empresa do antigo acionista da companhia aérea portuguesa David Neeleman, a Azul.Não vejo como este processo não constitui um aviso aos interessados na TAP. Senão vejamos: o Estado aceitou como acionista David Neeleman, o homem que desbravou as rotas dos EUA que agora suportam os números menos magros da TAP. E aceitou que Neeleman tivesse comprado a empresa “com o pêlo do cão”, capitalizando a companhia com 226 milhões que resultaram de um negócio que envolve a frota da TAP e a Airbus. Também aceitou uma injeção da Azul (e da Parpública, não esquecer) para equilibrar a caixa quando estava no seu ponto mais débil. Na pandemia, e ao contrário das outras companhias europeias, recusou um empréstimo com aval do Estado de algumas centenas de milhões de euros para manter a companhia a voar. Mais tarde teve de pedir a Bruxelas autorização para uma ajuda de Estado que chegou a 3,2 mil milhões e que nunca vai restituir ao contribuinte. Pelo meio correu com o acionista, mas concedendo-lhe um paraquedas dourado de umas dezenas de milhões (em plena pandemia). E agora, quando quer privatizar, retira tudo da TAP Má, para não pagar à Azul. Da Parpública, que também ficou “a arder” com os milhões que emprestou, não houve uma palavra, claro. Nota dois. Resta saber como vai o Estado convencer o próximo comprador que mudou mesmo de vida, especialmente quando está a vender 44,9% e quer manter “controlo sobre matérias críticas”.Uma nota paralela. O Estado tem uma “espécie de sorte” nestes casos. A TAP SA entrou com um pedido de insolvência da “TAP Má” no dia 10 de julho. E num país em que a pendência nos tribunais administrativos é regularmente superior a cinco anos, em menos de um mês a juíza Irina Alves aceitou o pedido. Uma decisão sem espinhas, uma vez que não foi aberto “um incidente de qualificação da insolvência, por não se dispor, pelo menos por ora, de indícios que haja qualquer tipo de culpa neste desfecho”, como bem notou o Negócios. Recordo que, provavelmente já hoje, o Governo português vai aprovar o caderno de encargos para a privatização da TAP SA. É a rapidez da justiça a servir, e bem, os interesses do Estado.No mesmo dia ficamos a saber que a Câmara de Lisboa vai usar todos os recursos à sua disposição para contestar uma coima da Comissão Nacional de Proteção de Dados por ter enviado dados pessoais de ativistas anti-Putin para o MNE russo e para a embaixada. A simples passagem do tempo vai transformar uma coima de 1,25 milhões em nada, uma vez que as contraordenações prescrevem quatro anos e meio depois dos ilícitos terem sido cometidos. É a lentidão da justiça a servir, e mal, os interesses do Estado.Diretor-Adjunto do Diário de Notícias