Trump, Israel e o Realismo da Paz Imperfeita

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Na diplomacia, o idealismo é luxo que poucos Estados podem sustentar. O plano de paz de Donald Trump para o Médio Oriente nunca foi gesto moral, mas geometria estratégica.

Faltou lirismo, não pragmatismo. Entre o ideal e o exequível, escolheu o possível.

Em vez de se perder em abstrações sobre justiça histórica, Washington concentrou-se no essencial: o equilíbrio real de poder. No terreno, esse poder pertence a Israel.

Trump partiu dessa constatação – que as negociações só avançam sobre factos, não retórica. Redesenhou a arquitetura de segurança regional em torno de dois eixos: ajudando Israel na contenção e marginalizando de forma controlada o Hamas.

Ao contrário do que dizem alguns meios, Trump não deu carta‑branca a Telavive. Convenceu Netanyahu a aceitar o cessar‑fogo quando Israel detinha clara supremacia. Convenceu-o não com ameaças, mas com a importância dos Acordos de Abraão e a necessidade de mudar a opinião pública internacional. O desgaste da imagem de Israel, amplificado pela desinformação, tornara‑se tóxico. Trump transformou esse défice reputacional em instrumento de influência.

Assessores como Rubio e Kushner, apoiados pelo CENTCOM, leram o ambiente mediático como variável estratégica. Apesar das tensões na administração, o plano mostrou rara convergência pragmática. A ação pessoal deu ao conjunto aparência de aparelho focado.

O resultado foi imediato. No silêncio das armas, a narrativa começou a mudar. O foco passou das vítimas civis para os métodos do Hamas, dos bombardeamentos para as execuções, do argumento do “genocídio” para a realidade de inimigo que usa túneis e escudos humanos. O cessar‑fogo reconfigurou o campo simbólico e repôs alguma justiça mediática para Israel. Geopolítica em estado puro: poder pela comunicação.

Descrito como “injusto”, o plano é antes o primeiro a reconhecer que a paz no Médio Oriente nasce de equilíbrios assimétricos, não concessões mútuas.

Não é um tratado: é engenharia de estabilidade. Um cessar‑fogo monitorizado que limita anexações, desmonta o isolamento e cria intervalo estratégico.

Trump nunca prometeu, com o cessar-fogo, resolver o conflito, tão só estancar o colapso – pragmatismo despido de moralismo. O plano é imperfeito, ambíguo, mas executável. Resiste à colisão entre moral e poder.

Hoje, a fragilidade dessa “paz” é evidente. O cessar-fogo mantém-se, com tensões e confrontos localizados. A situação humanitária em Gaza é difícil por destruição e restrições, muitas delas resultantes da ação do Hamas, mas as avaliações independentes desmentem fome generalizada ou genocídio. Canais diplomáticos permitem ajuda e evacuações, mesmo que limitados e negociados.

Alguns europeus medem a diplomacia pela régua das intenções; Washington, pela utilidade: paz possível, sem pureza. O “ultimato americano” foi exercício de persuasão pela força dos factos. Netanyahu preservou a iniciativa militar, mas suspendeu-a antes de perder mais legitimidade internacional.

Washington coseu o impasse com fio de ferro mediático – a finíssima agulha da contenção alimentada pela pressão global.

Trump recordou ao mundo: a paz no Médio Oriente raramente nasce da virtude; nasce da fadiga. E quando a guerra se esgota, é o poder – não a moral – que dita o compasso.

Analista de Estratégia, Segurança e Defesa

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