Num mundo em que as cimeiras internacionais se transformaram num teatro geopolítico — mais encenação do que diplomacia —, Vladimir Putin volta a revelar o seu baralho previsível. A pergunta que ecoa na Casa Branca, e também por cá, é inevitável: estará o Kremlin a tentar iludir Donald Trump? À luz dos factos e da inteligência americana, a resposta é afirmativa. O mais preocupante é que o presidente americano o sabe — e é nessa lucidez que se cruzam o perigo e a oportunidade para a Ucrânia e o Ocidente.Trump não age por ingenuidade nem por simpatia; é realismo tático combinado com desconfiança do modelo europeu e da NATO. Três fatores convergem. Primeiro, o instinto transacional: encara a diplomacia como negócio, admira em Putin a figura do líder que decide e impõe. Segundo, o cálculo eleitoral — a fadiga da guerra cresce entre os republicanos, e prometer o “fim em 24 horas” dá-lhe vantagem política. Terceiro, uma visão revisionista: ao aliviar a pressão sobre Moscovo, enfraquece a coesão ocidental e afirma um mundo de potências soberanas, não de alianças.Putin entende o jogo: ganha tempo e legitima-se enquanto Trump procura protagonismo.Na passada sexta-feira, na Sala Oval, o presidente americano recebeu Volodymyr Zelenskyy, que pediu mísseis Tomahawk capazes de atingir o coração da máquina de guerra russa. Trump respondeu com uma fórmula vaga — “congelem a linha onde está” — com a qual Zelensky concordou, mas a convergência terminou com o gesto diplomático.Trump anunciou nova cimeira em Budapeste sob a mediação de Viktor Orbán. Sinal de trégua?Não: apenas mais uma mise-en-scène para prolongar o impasse e congelar hostilidades no terreno. Putin domina esta arte de instrumentalização diplomática. Como nos Acordos de Minsk, finge negociar para ganhar tempo e consolidar avanços.Na frente, os ganhos de Moscovo são mínimos. Em setembro, as forças russas conquistaram apenas 250 quilómetros quadrados, metade do ritmo observado em 2024. Entre 7 e 14 de outubro, o avanço foi de 124 km², com ofensivas diárias a reduzir-se para uma média de 11, sobretudo na zona de Pokrovsk. As brigadas, reconstituídas várias vezes desde 2022, acusam fadiga humana e colapso logístico.A estratégia de desgaste é mútua, mas o equilíbrio estratégico pende para Kiev se o Ocidente sustentar a narrativa de resistência e fornecer armas de longo alcance.A erosão económica russa é cada vez mais visível. Drones ucranianos atingiram 21 das 38 refinarias do país, paralisando cadeias de abastecimento e reduzindo as receitas que financiam 40% do orçamento de guerra. Escassez de combustível, racionamento e inflação alta corroem a ficção de estabilidade. O crescimento anunciado de 4% é bolha bélica: o esforço militar consome 12% do PIB, e a sociedade começa a acusar o custo.Até Trump reconheceu que a Rússia “está perto do colapso”. Por conseguinte, um cessar-fogo imediato seria um erro estratégico. Congelar linhas, sem mais, equivale a legitimar a ocupação e premiar Putin — e chamar-lhe paz. Pode ser isso que Trump pretende. A sua admiração pessoal por Putin pode justificar essa benesse.O mínimo exigível é a segurança coletiva — pela NATO ou acordos bilaterais —, reconstrução sustentada e direito de defesa ofensiva. Neutralidade imposta? Inaceitável. Referendos sob ocupação? Farsa previsível.Trump joga o curto prazo; Putin, o mito do império.Mas os factos — frentes paralisadas, refinarias destruídas e rublos a derreter — mostram quem está a perder o jogo.Seria desejável que o presidente americano não se deixasse manipular.E, neste jogo de máscaras, os países europeus não deveriam continuar a usar a de peão.