Transportes públicos, conversas também
Andar regularmente de transportes públicos é uma ótima forma de conhecer a vida pessoal de alguns passageiros e o gosto musical de outros. Mesmo que nenhuma das duas situações nos interesse e até nos coloque perante momentos constrangedores.
Recentemente, durante os 20 minutos que durou uma viagem de comboio fiquei a conhecer as vicissitudes pessoais de uma passageira, o que um outro pensa de um departamento da empresa de um amigo e a seleção musical de um terceiro viajante.
Tudo isto porque muitos dos utilizadores de telemóveis deixaram de os usar como antigamente para utilizarem auriculares o que os leva a falar a alguma distância do telefone, sem se preocuparem se incomodam quem segue por perto. O que também diz muito da educação e respeito pelos outros...
Como resultado desse à-vontade com que se fala, fiquei a saber que a minha vizinha na fila de bancos onde estava sentado tinha sofrido recentemente uma “infeção gravíssima e que ia entrando em choque sético”, como contou a quem a ouvia. De seguida, não sabendo a resposta que obteve a esta revelação, tomei conhecimento de uma dúvida desta minha vizinha: não sabia se devia “bater-te ou abraçar-te”, referindo-se ao interlocutor. Se me tivesse pedido opinião teria dito que o abraço ficaria melhor. Até porque ainda antes de eu sair do comboio ouvi o desafio para a marcação de um jantar. O que espero que tenha acontecido.
Sentado um pouco mais à frente, mas a falar de forma perfeitamente audível à distância, um passageiro não se coibiu de dizer que, num departamento da empresa onde trabalhava o amigo com quem falava, “trabalha-se pouco”. Pela reação, a pessoa que estava do outro lado concordou.
Para que a viagem continuasse animada, nem faltou a playlist de um passageiro que ofereceu a todos os ocupantes da carruagem a sua escolha musical colocando o som do telemóvel bem alto.
Portanto, aos que não gostam de andar de transportes públicos só posso dizer que tudo isto aconteceu numa viagem de 20 minutos, e até é recorrente ficarmos a saber as queixas de alguns passageiros sobre a sua vida, o patrão, etc. Digam lá se não é uma boa forma de fazer análises sociológicas? E de ficarmos a saber que a privacidade já não tem o valor que se lhe atribuía.
Editor executivo do Diário de Notícias