Transição energética, pensamento mágico e erosão da democracia

Uma das maiores incertezas que vivemos presentemente é a atinente à duração da transição do setor energético global de fontes fósseis de produção e consumo de energia - incluindo petróleo, gás natural e carvão - para fontes de energia renováveis como a eólica e a solar. Este debate é obnubilado pelos interesses das petrolíferas em maximizar temporalmente a exploração de recursos fósseis e pelo complexo de culpa das classes políticas que têm governado os países desenvolvidos e que, nas últimas décadas, empurraram com a barriga a necessidade de combater as alterações climáticas decorrentes do aumento dos gases com efeitos de estufa.

De acordo com Vaclav Smil, um dos mais reputados investigadores e autoridades em transições energéticas, as principais transições energéticas globais, da madeira para o carvão, depois para o petróleo e, subsequentemente, para o gás, demoraram cada uma 50-60 anos; pelo que não há razão para crer que uma mudança para as fontes de energia renováveis seja excecionalmente rápida.

A procura global energética quase duplicou nas últimas duas décadas. Em países onde os padrões de vida melhoraram rapidamente, como China e Índia, queimou-se mais carvão à medida que os governos conectaram pessoas em cidades rurais e megacidades em expansão às redes elétricas pela primeira vez. Em países desenvolvidos onde a eletricidade se tornou mais limpa, como os EUA e partes da Europa, o carvão vem sendo substituído pelo gás como principal fonte de energia.

"O empenhamento no mundo desenvolvido em relação a uma transição energética rápida não é seguido pelas novas potências emergentes."

Portugal é um dos países que mais cedo apostaram na produção de energias renováveis mas, após 15 anos, a percentagem das energias solar e eólica no mix energético global nacional é de apenas 7,3%. E a produção hidroelétrica - outros 3,5% - tem vindo a diminuir. O crescente gás natural (24 %) não substitui os produtos petrolíferos, que continuam a ser a principal fonte (40-43%). E assim será por muito tempo dado o baixo rendimento disponível, que gradualmente contrairá o [baixo] ritmo de venda de veículos elétricos (VE). Não obstante, o PE adotou medidas como a proibição de venda de veículos a combustão a partir de 2035. É altamente provável que essa meta seja alterada, como é ilustrado pelas declarações do CEO da VW, alertando para o irrealismo das metas europeias para VE. É também quase certo que várias outras metas hiperbólicas e irrealistas constantes de relatórios da Agência Internacional de Energia (IEA) terão de ser corrigidas.

O empenhamento no mundo desenvolvido em relação a uma transição energética rápida não é seguido pelas novas potências emergentes, como a China e a Índia, para quem a prioridade ainda é a segurança no acesso e abastecimento de energia. A guerra na Ucrânia e a situação de incerteza criada têm vindo a fazer crescer o número de europeus e americanos que comungam desta prioridade.

Os dados internacionais sobre o ritmo de crescimento de fontes renováveis e do armazenamento de energia mostram que a transição energética demorará muito tempo a ser realizada. De acordo com V. Smil, deve assumir-se que a transição levará várias décadas, possivelmente duas gerações. Vender amanhãs que cantam e wishful thinking a roçar o pensamento mágico vai custar caro em credibilidade política e contribuir para a erosão da democracia.

Consultor financeiro e business developer
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