Transição energética e metas pouco realistas
Depois de anos a arrastar os pés, a opinião pública ocidental exige avanços no sentido da descarbonização. Um dos melhores exemplos são os relatórios da IEA sobre Net Zero by 2050, nos quais se reconhece que "os compromissos e ações globais estão a crescer, mas ainda ficam muito aquém do necessário para limitar o aumento das temperaturas globais a 1,5ºC e evitar os piores efeitos das alterações climáticas". Mas, não fossem os leitores pensarem que há pouco empenho da IEA no Net Zero até 2050, lá se afirma que "o caminho [para limitar o aquecimento global a 1,5 °C] é estreito, mas exequível". Curiosamente, quando se compara as metas estabelecidas temporalmente na calendarização do Net Zero para 2050 com a respetiva execução, fica-se com a sensação de que há ali muito wishful thinking. Vejamos alguns exemplos de metas lá estabelecidas.
De acordo com a calendarização dessas metas, neste momento já não deviam estar a ser aprovadas novas minas ou centrais a carvão, nem novos campos de petróleo ou gás natural. A segurança energética, porém, levou vários países a não cumprirem estas metas; várias companhias produtoras de carvão, gás e petróleo já anunciaram que vão continuar a investir em nova produção ou transformação destes recursos fósseis; vários países relevantes anunciaram novas centrais de carvão e de gás, e novas refinarias de combustíveis fósseis (em linha com a previsão da IEA que o pico do consumo de fontes fósseis só ocorrerá após 2030...). A partir de 2025, a IEA estima que não serão vendidas novas caldeiras a combustíveis fósseis. As caldeiras vão ser todas elétricas? Não pode certamente estar-se a contar com uma conversão massiva para hidrogénio verde. Esta estimativa não parece realista. A IEA prevê ainda que, em 2030, estejam já instalados e a produzir hidrogénio 730 GW de eletrolisadores. Isto implica um enorme investimento e um desafio para as construtoras de eletrolisadores, que têm uma capacidade de fabrico limitada. Esta estimativa também não parece realista. Prevê ainda o IEA que até 2030 todos (!) os novos edifícios sejam neutros em carbono. Calcula ainda para a mesma data o termo da utilização do carvão nos países desenvolvidos. Estima também a IEA que, até 2030, 60% dos automóveis novos vendidos sejam elétricos, subindo para 100% até 2035. Será realista que até esta data todos os novos automóveis vendidos sejam elétricos (EV)? Temos dúvidas que o ritmo de vendas acompanhe esta estimativa. Por um lado, inúmeras estatísticas continuam a incluir nos EV veículos híbridos, cuja larga maioria tem uma autonomia elétrica muito limitada. O alto preço dos EV (e o baixo rendimento disponível de uma enorme percentagem de titulares de veículos), a duração e custo das baterias elétricas, problemas nos sistemas de carregamento de alta capacidade de EV e a quase ausência de EV com autonomia >600 km, manifestamente não suportam um ritmo tão célere.
Esta consagração de metas pouco realistas ou manifestamente irrealizáveis por governos e agências internacionais não augura nada de bom, alimenta negacionistas, e retira credibilidade para a resolução da questão existencial das alterações climáticas decorrentes do aquecimento global.
Consultor financeiro e business developer
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