Tragédia alemã, tragédia europeia

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Quarta-feira, 30 de Abril, completaram-se oitenta anos sobre o suicídio de Hitler no Bunker da Chancelaria, em Berlim. Oito dias depois, a 8 de Maio, o almirante Doenitz, que lhe sucedera na chefia do Terceiro Reich, assinava a rendição incondicional da Alemanha. A guerra ainda ia durar na Ásia, até à submissão do Japão, depois da carnificina atómica de Hiroxima e Nagasaki.

É curioso que hoje, à volta da guerra da Ucrânia e da crise atlântica a partir do distanciamento Europa-Estados Unidos, com Washington a assumir uma posição de Realpolitik e Bruxelas a refugiar-se num belicismo ideológico que parece resistir à lógica do terreno, voltemos a olhar para os velhos problemas da política do poder (Machtpolitik) e a considerar a raiz da tragédia da Europa no século XX: o triunfo da ideologia sobre a Realpolitik na política das potências.

Andreas Hillgruber (1925-1988) foi um historiador nacional-conservador e – também por isso – anti-hitleriano, que estudou a “questão alemã” a partir da unificação bismarckiana de 1870-1871. Sensível ao equilíbrio europeu e à secularização da política nos tratados de Westfália, Hillgruber sabia que “a formação de uma Alemanha-grande potência”, com o Reich bismarckiano, vinha alterar esse equilíbrio. Com o seu peso demográfico e territorial, a sua economia industrial e o seu poderio militar, a nova Alemanha trazia uma revolução geopolítica.

Desde logo em relação a Inglaterra, a potência insular que sempre inscrevera como regra de segurança – a sua e a do seu império ultramarino – a ausência de um poder euro-continental hegemónico; e também em relação à Rússia, a potência da Eurásia que repetidamente conhecera, ao longo do século XVIII, a confrontação com a Prússia.

A Grande Guerra é o momento catastrófico da ordem europeia que vai dar origem quer ao fim dos impérios da MittelEuropa – a Prússia-Alemanha dos Hohenzolern e a Áustria-Hungria dos Habsburgo – quer, com a revolução bolchevique na Rússia dos Romanoff, a um imperialismo ideológico que leva a respostas de resistência de tipo totalitário, primeiro em Itália, depois, em 1933, na Alemanha.

É na Alemanha, a grande vencida não convencida de 1918 – próxima do perigo Vermelho com a revolta spartakista e com a República comunista da Baviera – que vai despontar um nacionalismo radical etnocêntrico. Um nacionalismo depois potenciado pela Grande Depressão americana de 1929 que contaminou a Europa e, na Europa, o país mais industrializado, dando oportunidade a Hitler e ao seu partido. Na União Soviética a guerra civil dera lugar a um extermínio de classe, com o terror policial das Tchecas. Os emigrados políticos e sociais que escaparam para Berlim e para Paris transmitiram a ideia do terror e do genocídio de classe, criando entre as classes burguesas e médias da Europa o vale-tudo para evitar o comunismo, o que iria pôr em causa a democracia liberal numa série de Estados. Na Itália e na Alemanha surgiam os regimes fascista e nacional-socialista, que traziam alternativas de partido único e dirigismo económico popular.

A Rússia de Estaline procuraria um entendimento de Realpolitik com a Alemanha, que Hitler, por conveniência circunstancial, aceitaria com o Pacto Molotov-Ribbentrop de Agosto de 1939. Mas obcecado pelo factor ideológico anti-semita e vendo no bolchevismo, como sublinha Hillgruber, uma forma de “poder judaico”, Hitler vai invadir a URSS, em Junho de 1941, determinando o princípio de uma derrota que se iria consumar há oitenta anos num Bunker assediado pelos russos.

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