Todos fomos à escola, portanto todos temos direito a opinar sobre o estado da educação

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Escrevo sobre educação neste espaço há quase dois anos. Tenho abordado todo o tipo de temas, com particular relevância às questões da leitura por ser a minha especialidade ao nível da investigação. E, enquanto escritora, por considerar que a leitura da literatura é a chave para penetrarmos mais profundamente na alma humana, nos seus conflitos e contradições.

Nos temas que não domino tão bem, vou à procura de artigos de investigação, evitando opinar sem fundamentação científica. Vem isto a propósito de várias análises sobre a escola que, no essencial, são fundamentadas em experiências ou crenças pessoais. O que está em causa neste contexto é a leitura da realidade com base em indicadores de convicção ou em perceções e não em números ou estudos avaliados por pares. Esta lógica de desenvolver análises com base em convicções pessoais é a mesma que está subjacente à circulação de rumores sobre as vacinas, sobre imigrantes, sobre perceção de insegurança, etc. Um tipo de argumentação em que os estudos passam a ser pouco relevantes, o que é um mau caminho para se entender com profundidade a realidade escolar e sobretudo para a modificar.

Por exemplo, não podemos falar de aumentar os índices de leitura e a forma como a escola aborda a literatura sem referirmos os dados do PISA sobre a percentagem de jovens do 9.º ano que não dominam as operações de leitura. Se queremos aumentar os índices de leitura temos de recorrer a estudos sobre a motivação para a leitura. Ou se temos um projeto cujo objetivo é exatamente promover a leitura temos de o avaliar de forma a confirmar que de facto teve impacto na frequência de leitura e capacidades de compreensão e interpretação leitora para podermos indicar caminhos de melhoria que não decorram de perceções subjetivas.

Na praça pública, discute-se sobretudo o que se deve ou não ensinar sem se analisar devidamente estudos sobre como se aprende e quais as dificuldades que levanta cada um dos objetos de aprendizagem em particular. A compreensão destas dimensões facilitaria sem dúvida melhores maneiras de ensinar.

A educação e o ensino parecem muitas vezes armadilhadas não só por um excesso de processos burocráticos, mas também por um jargão que frequentemente dificulta a observação dos alunos e das suas dificuldades em particular. Por exemplo, os programas – que, aliás mudam demasiado depressa sem se ter tido tempo de avaliar o seu efeito – são apontados, muitas vezes, como um obstáculo tremendo para não se poder corresponder às necessidades de determinados alunos mais vulneráveis. Outra questão importante é a forma como as escolas são frequentemente inundadas por projetos sem que se assegure a integração nas rotinas da própria escola, ou seja, assegurada a sua continuidade. Isto porque a origem destes projetos é a mais das vezes exterior à própria escola, e por melhor que sejam os seus efeitos, estes desaparecem se não se envolver docentes e a comunidade escolar.

O mundo apresenta-se cheio de incertezas em relação às competências necessárias para o futuro. É possível que a Inteligência Artificial (IA) ajude a desenvolver estratégias de ensino personalizadas para as necessidades de cada aluno. Mas as crianças transformam-se em função das relações. Um dos papéis fundamentais da escola e das famílias será sempre o de ajudar a construir cidadãos com sentido crítico e empáticos. Estas dimensões revelam-se mais do que nunca necessárias numa altura em que muitas relações são mediadas pelas redes sociais. As redes sociais têm, hoje em dia, um papel demasiado importante na construção da identidade de muitas crianças e jovens e também na informação a que têm acesso. Não é possível voltar atrás, e, nestes contextos tão desafiantes, é preciso pensar a escola sem ser com base em discursos panfletários ou de opinião. E mais do que nunca são precisos professores que olhem e cuidem da relação.

Escritora e Professora no Ispa – Instituto Universitário

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