Todo um Sahel de fake news!

Publicado a
Atualizado a

O Presidente (PR) Macron aproveitou a véspera da última Cimeira União Europeia/União Africana (UE/UA) da semana passada para, após se ter reunido com o G5-Sahel menos dois (Mauritânia, Níger e Chade presentes e Mali e Burkina Faso ausentes, por via dos golpes militares que sofreram e que lhes ditaram a suspensão no seio da UA). Após esta reunião, dizia e na véspera da Cimeira UE/UA, decide anunciar a saída total dos restantes 2.400 militares da Operação Barkhane de território maliano. Em junho passado, Macron já tinha anunciado o fim desta operação, numa acção de pré-campanha, com o intuito de criar no eleitorado francês uma ilusão de regresso a casa dos então 5000 militares franceses no Mali, tendo em conta as eleições presidenciais de abril próximo. Nunca se tratou disso e o que os franceses negociaram de junho a fevereiro, foi antes a transferência do seu efectivo militar do Mali para outros países da região. Há uma semana o PR francês anunciou a transferência destes 2.400 para o Níger e outro(s) país(es) do Golfo da Guiné, ainda a definir, mas que creio referir-se sobretudo ao Gana.

A escolha/opção do Níger é lógica, já que se trata do grande produtor de "urânio francês", explorado pela Areva, o "gigante nuclear francês" que extrai cerca de 80% do urânio consumido pelo complexo industrial-militar da França. Por isso mesmo, aquando do final do regime Kadhafi, os nigerinos regressados à pátria não representaram qualquer tipo de problema separatista, como aconteceu no norte do Mali com o regresso tuaregue. No Níger, os emigrantes regressados, foram todos absorvidos pela Areva e a vida continuou!

A novidade Golfo da Guiné é também lógica, mas catapulta a questão saheliana para a próxima Cimeira da NATO, de julho próximo. Porquê?

Porque garantir a segurança marítima no Golfo da Guiné é vital para a Europa, no que toca a abastecimentos e marinha mercante. Assunto raramente abordado pelos media europeus, focados no exotismo dos piratas da Somália durante as décadas de 1990 e 2000. No Golfo da Guiné o problema era equivalente e continua a ser, mas sem Hollywood a publicitar. Porque o actual momento de unidade NATO certamente permitirá um consenso sobre um alargamento da sua área operacional até à linha do Equador, o limite do Atlântico Norte, incluindo assim todo o Mediterrâneo, norte de África e Sahel, forma de travar os sucessivos avanços russos no bloco territorial Líbia/Nigéria, Dakar/Djamena.

Começa agora a surgir uma maior consciência colectiva no Mali e no Burkina Faso sobre a importância da proliferação das Fake News na criação de um sentimento anti-francês junto das populações, o qual permitiu os recentes golpes militares nestes países e subsequente adesão popular aos mesmos, num júbilo sem precedentes. Vídeos antigos são reutilizados no novo contexto e assim se cria uma psicose colectiva, apresentando por exemplo o assalto a uma Embaixada no Mali, quando as imagens são de uma manifestação em Angola. Este fevereiro, já circulam imagens de tumultos que não aconteceram na região, com a legenda "Niamey em ebulição", sugerindo que o Níger seria o golpe seguinte! Fevereiro foi aliás pródigo na circulação de vídeos forjados e que cantam hossanas aos russos, enquanto culpam os franceses de todos os males regionais. Em território onde o acesso aos media convencionais é parcial ou completamente nulo, onde estados frágeis e desacreditados têm dificuldade em fazer-se ouvir, mas onde pululam smartphones, apesar da pobreza, whatsapp, facebook e youtube veiculam a desinformação e instigam à manipulação dos corações e das mentes do africano a quem se lhes dá o que ele quer ver e ouvir!

Politólogo/Arabista

www.maghreb-machrek.pt

O Autor escreve de acordo com a antiga ortografia

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt