Terá Trump uma visão a longo prazo?

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Mal soube do telefonema entre Donald Trump e Vladimir Putin sobre o futuro da Ucrânia, num clima cordial que até incluiu convites a visitarem-se, lembrei-me de um veterano da diplomacia americana que entrevistei logo após as eleições nos EUA. Numa análise, que era um alerta, Ryan Crocker, que foi embaixador em sete países, relembrava: “A NATO foi estabelecida como uma pedra basilar da segurança americana e assim se manteve. O artigo 5.º da Carta da NATO só foi invocado uma vez, e foi no 11 de Setembro. E a NATO esteve connosco no Afeganistão durante os 20 anos em que lá estivemos. E o papel da NATO tem sido crucial na contenção da agressão russa na Ucrânia. Portanto, sim, é verdade que a NATO não faz tudo o que os EUA querem, mas nenhuma aliança o faz. Espero sinceramente que a próxima Administração Trump respire fundo e tenha uma visão a longo prazo, tanto para trás como para a frente, de que a NATO garantiu a segurança não só da Europa, mas dos EUA durante sete décadas.”

Não se pode dizer surpreendente a disponibilidade de Trump para negociar com Putin, mas a facilidade com que o presidente americano reverte a política de Joe Biden de apoio a Kiev, é uma má notícia para o líder ucraniano, Volodymyr Zelensky, mas também para os parceiros europeus da NATO. A forma como uma maioria de países da UE, e o Reino Unido, se comprometeram com a Ucrânia, assentava num alinhamento com os EUA, tanto mais que, em termos militares, os americanos representam 2/3 da NATO. Uma resposta europeia a Putin não é credível, mesmo que, com Trump, os EUA se tivessem limitado a sair de cena, quanto mais quando dão sinais de poder aceitar a perda de território ucraniano.

Um cessar-fogo no Leste da Europa salvará vidas, e isso será a parte positiva. Mas a Ucrânia terá de se preparar para uma estratégia de mal menor, dependendo da determinação negocial dos EUA.

Na UE, países como os Bálticos e a Polónia, que por razões históricas temem Moscovo, receiam o que virá a seguir. E a Suécia e a Finlândia, que após a invasão da Ucrânia, em 2022, desistiram da neutralidade, já devem estar a pensar como salvaguardar uma NATO cujos desígnios são uma incógnita com Trump à frente do mais poderoso dos 32 Estados-membros.

Perante a incerteza criada na Aliança por esta aproximação Trump-Putin, que poderão reunir-se na Arábia Saudita, a exigência dos 5% de PIB em Defesa soa bizarra.

O futuro da Ucrânia e a coesão da NATO ficam, pois, dependentes do que sair das conversas a dois. Trump terá de lidar com um experiente Putin, cujo estilo parece apreciar desde a primeira passagem pela Presidência. A questão é até que ponto vai negociar com o presidente russo decidido a não lhe oferecer uma vitória total, resguardando ao máximo a soberania da Ucrânia (provavelmente forçada à neutralidade) e criando condições para os países europeus da NATO não perderem a confiança no grande parceiro do outro lado do Atlântico.

Seria bom que Trump, na ânsia de êxitos, não perdesse a tal visão a longo prazo de que falava o embaixador Crocker.

Diretor-adjunto do Diário de Notícias

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