"Tens que dar um beijinho, senão és mal educado!"

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Muitas crianças são obrigadas pelos pais a cumprimentar as outras pessoas com um beijinho, mesmo que não queiram. E se não o fizerem, são mal educadas.  

Ao dizer-se isto a uma criança, a mensagem que está a ser transmitida é muito simples – e também muito perigosa: para se ser bem educado é preciso dar um beijo, mesmo que esse toque seja indesejado.  

E porque é que esta mensagem é perigosa? 

Esta mensagem é perigosa porque é como se disséssemos às crianças que “o teu corpo é teu, mas as outras pessoas podem dar-te ordens sobre o que fazer com ele”, “mesmo que não gostes de um toque, se alguém to pedir ou ordenar, deves fazê-lo” ou, ainda, que “não sou sensível ao teu desconforto e tens de fazer o que eu te mando”. Por outras palavras, estamos a dizer às crianças que têm de obedecer sempre aos adultos, mesmo que aquilo que estes lhes pedem possa gerar emoções mais desagradáveis. Estamos ainda a desvalorizar o direito das crianças a dizer “não”, mesmo perante um adulto, e a comunicar a ideia de que aquilo que elas sentem não interessa para nada.  

E transmitir mensagens destas pode colocar as crianças em risco ou em perigo.  

Naturalmente que vivemos em sociedade e é importante que, desde cedo, as crianças aprendam as regras de conduta e a distinguir entre comportamentos corretos e incorretos. Devem ainda aprender a interagir socialmente de forma adequada, mas que isso não signifique, nunca, ignorar aquilo que sentem e permitir que alguém ultrapasse os seus limites pessoais.  

Convém também sublinhar que muitas crianças não gostam de dar um beijinho à pessoa A ou B, não porque esse beijo seja de alguma forma abusivo, mas tão somente porque gera algum desconforto. Seja porque o beijo é muito molhado ou repenicado, porque a barba pica, ou por outro motivo qualquer, a verdade é que as crianças têm o direito de gostar e de não gostar de um dado toque. E esse direito tem de ser respeitado.  

Ao ajudarmos as crianças a interiorizar estes seus direitos, estamos sem dúvida a contribuir para que cresçam mais informadas, conscientes e empoderadas, sabendo que devem pedir ajuda se, por ventura, alguém os tentar desrespeitar.  

Psicóloga clínica e forense, terapeuta familiar e de casal

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